Método usa técnicas de ioga para ensinar matemática e história
Fonte: Folha de S.Paulo Autor: IARA BIDERMAN | |||
Os alunos da oitava série alinham o corpo, para deixar a coluna ereta. Concentram-se na sensação do ar entrando pela narina esquerda e saindo pela direita. Olhos fechados, visualizam formas geométricas com círculos concêntricos.
Em seguida, com lápis, régua e compasso, reproduzem na cartolina circunferências com diversos raios, que vão se justapondo e criando mandalas. É uma aula de matemática. Ou seria de ioga? A professora de matemática Maria de Lourdes da Silva Araújo, da Escola Estadual Margarida Brochado, de Belo Horizonte (MG), está seguindo o conteúdo programático da oitava série. Também está aplicando, em sala de aula, os princípios da ioga na educação. No método, sistematizado pela francesa Micheline Flak, mandalas e técnicas de concentração e visualização são usadas para ajudar os alunos a formar mapas mentais enquanto o professor apresenta novos conteúdos, qualquer que seja a matéria. "Por exemplo, o professor de história coloca o centro da matéria, digamos, Revolução Francesa. Então as crianças têm de escrever ao redor desse centro todas as coisas pertencentes ao tema de história chamado Revolução Francesa. É uma apresentação do conteúdo de forma não-linear, mas concêntrica, como a mandala", disse Flak, em entrevista por telefone à Folha. Para chegar a isso, de acordo com a metodologia criada pela francesa, devem ser seguidos seis passos. "As técnicas são usadas na ordem correta e requerem treinamento dos professores, não podem ser improvisadas", afirma Flak. Os passos são os da ioga tradicional, mas ela diz que, na educação, não é usada a meditação. "É um passo muito importante para quem pratica ioga, mas é algo muito complexo e não concordo em introduzir isso para crianças na sala de aula. No entanto, se o professor, pessoalmente, praticar a meditação, acho que ele se tornará um educador melhor e mais criativo." Método para sala de aula A ioga na educação vai além de oferecer a prática milenar como uma atividade extra-classe na própria escola, cujo principal efeito é "baixar a bola" de crianças hiperestimuladas e agitadas. Isso foi só o princípio da idéia, que surgiu no meio de uma aula convencional de língua estrangeira, quando Micheline Flak, doutora em letras americanas pela Sorbonne e professora de inglês de uma escola pública em Paris, percebeu que não conseguiria transmitir o conteúdo do dia para as crianças, que entravam excitadas e dispersivas na sala. "Era como se elas estivessem saindo de uma banheira de água quente e eu tivesse de botá-las em uma de água fria. Achei que elas precisavam de uma transição, um descanso, para depois começarmos a aula", conta Flak. Na época, início dos anos 70, Flak já praticava ioga havia algum tempo e aplicou algumas técnicas de relaxamento que conhecia para acalmar a turma. Mas não parou por aí. Durante a fase de relaxamento, começou a passar a lição do dia. Em seguida, pediu às crianças que ficassem de olhos fechados, em silêncio, repetindo mentalmente as sentenças em inglês. "Então, disse que faria perguntas sobre a aula, para elas responderem também só mentalmente, sem uma palavra. Finalmente, pedi que abrissem os olhos e repeti as perguntas. Elas levantavam a mão [para responder] e fiquei muito feliz em perceber como tinham assimilado todo o conteúdo." Começava a nascer a metodologia da ioga na educação. A estruturação do método levou, em 1978, à criação da RYE (pesquisas sobre ioga na educação, na sigla em francês), associação hoje presente em 11 países e que começa a ganhar corpo e alma no Brasil. Um dos coordenadores da RYE Brasil, Diego Arenaza, professor de metodologia de ensino do Centro de Ciências da Educação da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), criou um curso na universidade para ensinar professores de qualquer disciplina a aplicar a técnica estruturada por Micheline Flak. Não é um curso para formar professores de ioga. "É um método para sala de aula, que ajuda tanto o aluno quanto o professor a organizar o processo de aprendizagem." Segundo Arenaza, se o professor pretende usar a técnica com os alunos, ele também deve praticar individualmente a ioga, mas não é preciso ter uma experiência prévia. Marco Luiz Mendes de Oliveira, professor de espanhol no ensino médio, nunca tinha feito uma aula de ioga quando resolveu participar de um seminário da RYE realizado em Salvador (BA) em 2007. Entusiasmado com as possibilidades, a primeira coisa que fez após o curso foi procurar uma escola para começar a praticar regularmente. A segunda foi introduzir os princípios da ioga na educação em suas aulas, "sempre falando em espanhol, para trabalhar o vocabulário". Crise de riso Oliveira conta que, no começo, os adolescentes não ficam exatamente entusiasmados com a proposta. "Muitos acham que [fazer os exercícios da ioga] é pagar mico. Mas, quando começam a ficar estressados com as provas ou com a proximidade do vestibular, percebem que ajuda e até querem [praticar]", afirma o professor. O estudante Michael Márcio Rodrigues, 18, que o diga. Preparando-se para prestar o vestibular para engenharia química na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e cursando o 3º ano do ensino médio, ele freqüenta aulas na ONG Bom Aluno voltadas às necessidades dos vestibulandos. Matemática, redação, orientação profissional e ioga na educação fazem parte da grade de aulas da ONG. Na primeira vez em que experimentou a ioga em sala de aula, Michael achou tudo muito estranho. "Tive uma crise de riso", conta. Hoje, aproveita as técnicas aprendidas na hora de fazer uma prova difícil, prestar atenção nas matérias que tem mais dificuldade e relaxar após horas ininterruptas de estudo. Sem crises. Daisy Costa Cruz Barros, coordenadora da Bom Aluno em Belo Horizonte, acha que a prática é uma importante ferramenta para que os alunos cheguem em condições ótimas ao vestibular. A ONG seleciona os melhores alunos da rede pública de famílias de baixa renda e os prepara para, a partir da 7ª série do ensino fundamental, participarem de provas de seleção para bolsas em escolas particulares. Os alunos continuam tendo aulas na ONG voltadas às necessidades específicas de cada série, da produção de textos à orientação profissional. Para os pré-vestibulandos, as aulas de ioga ajudam na concentração, na assimilação dos conteúdos, na organização dos estudos e a evitar o famoso "branco" na hora da prova, segundo ela. "São exercícios que potencializam o aprendizado. O professor não perde tempo de aula, mas ganha, porque o rendimento dos alunos melhora", afirma a pedagoga Cleide Delmar, que trabalha com formação de professores e organiza seminários de ioga na educação em Salvador. Lucia Casaverde, introdutora dos métodos da RYE em Belo Horizonte e professora voluntária da ONG Bom Aluno, diz que a ioga na educação "não é aquela aula zen que muita gente imagina". As técnicas, segundo ela, não ensinam apenas a relaxar, mas também a manter o foco nos objetivos, a se concentrar e a resolver problemas trabalhando os dois hemisférios cerebrais. Linhas, curvas, raios e conceitos de geometria também, lembra Maria de Lourdes Araújo. "Nunca perco a matemática de vista", diz a professora mineira. Em seu trabalho com mandalas, manter a mente quieta e a espinha ereta dos alunos é uma forma de transmitir e amarrar conteúdos de geometria. Os resultados, diz, são excelentes. "Descobri que eles começaram a entender melhor também a parte abstrata da matemática, a álgebra. E vi que os alunos com mais dificuldade na matéria evoluíram bastante", afirma. |
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