José Hermógenes de Andrade Filho


Por: Patrícia Ribeiro

O professor Hermógenes é um dos primeiros passos da história do Yoga no Brasil. Ele é foco de nossa reportagem-homenagem, o yogi mais querido do Brasil.


Aos 89 anos, o professor Hermógenes talvez seja a figura mais conhecida e amada da comunidade yogi. Foi o grande homenageado no evento Yoga Pela Paz 2007, em São Paulo, e passou sua mensagem de humildade e amor que permeia todo seu trabalho para uma multidão que assistiu ao evento. 

Inspiração e mestre de praticantes e professores, o Yoga que conhecemos hoje não seria o mesmo se não fosse por seu trabalho de dedicação e fé. Hermógenes foi professor de história e filósofo da Escola Militar. Religioso desde pequeno, não encontrou resposta nas doutrinas que conhecia, pois não acreditava que os que não conheciam a Bíblia poderiam ser hereges. Já conhecia a Bhagavad Gita por estudo próprio, mas o interesse pelo Yoga aconteceu só depois que ficou doente. Em 1958, teve tuberculose e quase morreu. Foi nesse período que reconheceu a importância do Yoga na sua cura. Sem poder se movimentar durante a doença, praticou o ishvara-pranidhana (devoção ao Senhor). Quando terminou o tratamento, estava envelhecido e obeso. Então ganhou um livro de Yoga escrito em francês e começou a aprofundar seus estudos. Chegou a praticar escondido, no banheiro de casa, para não receber desaprovação de ninguém. Começou a dar aulas na garagem de uma aluna, devido ao crescente interesse em sua cura.  

Os alunos começaram a aumentar com a publicação de Auto-Perfeição com Hatha-Yoga, na década de 60, - ainda hoje o seu maior sucesso editorial - e não tendo mais condições de atender na garagem, abriu então sua própria academia que funciona até hoje no centro do Rio de Janeiro. Autor de mais de 30 livros totalizando mais de 500 mil exemplares, o professor Hermógenes é, para muitos praticantes, a maior referência viva de Yoga no Brasil. Para esta reportagem, convidamos alguns professores e praticantes de Yoga para entrevistá-lo. 
 






MARCOS ROJO: Qual a mensagem que o senhor pode nos deixar para que o nosso trabalho seja realmente útil para a sociedade?
Professor Hermógenes: Cada vez mais amor. Cada vez mais renúncia de si mesmo. Cada vez mais prestação de serviço. Cada vez mais ahimsa.
 
CAMILA REITZ: Qual é a principal diferença entre o Yoga que o senhor conheceu anos atrás e o Yoga que é praticado atualmente? 
Professor Hermógenes: Diferenças existem. Eu não sei todas, mas diferenças existem porque o Yoga que eu aprendi, pratiquei e procurei ensinar tem sempre a disposição de servir, de prestar serviço, de sempre colaborar com a felicidade dos outros. E nos tempos atuais, posso estar enganado, mas eu vejo muita preocupação com o corpo e com o que eu posso fazer de melhor para a minha vida particular. 
 
CAMILA: O que o senhor diria para os yogis de hoje?
PH: Procurem conhecer o Yoga de muitos milênios. Pratiquem-no, apliquem-no. Tirem proveito não somente para si, mas para os outros. 
 
PEDRO KUPFER: Como lidar com perdas familiares?
PH: Perda de pessoas ou perda de objetos, se a gente ficar alerta para os apegos, para o estrago que o apego faz à nossa felicidade, o que eu diria é: aprenda a desapegar-se. Descubra a irrealidade de tudo o quanto a gente possui.

PEDRO: Poderia, por favor, nos esclarecer sobre o desapego?
PH: O desapego como próprio nome sugere é a libertação dos apegos. É a superação dos apegos, dos desejos. Então, quanto ao desapego, Sai Baba nos lembra que “uma viagem é mais agradável quanto menos bagagem nós levamos”. Para termos mais facilidade em desapegarmos, precisamos descobrir a transitoriedade de tudo o quanto a gente pode possuir. 
 
VITOR CARUSO: Os seus livros têm ajudado a vida de muitas pessoas. Acompanhando seu trabalho, vemos casos de pessoas que alcançaram transformações e curas ao seguir seus conselhos. Desde casos de depressão, até herpes e drogas. Seus livros registram muitas dessas situações. De quem foi a idéia de registrar as cartas que respondia?
PH: Foi da minha esposa Maria Bicalho. Eu escrevia as cartas sem cópia, então me ela me sugeriu que eu as copiasse com carbono. Imagine..., e as cartas estão acumuladas aí como uma preciosidade, uma prova de eficiência da minha vida aplicada ao trabalho.

VITOR: Qual seria a razão dos jovens professores de Yoga, hoje em dia, não saberem d uma fonte tão rica sobre o Yoga?
PH: É porque se contentam com os frutos iniciais. A colheita no início é mais frágil. É necessário se pensar em cultivar as plantas e não apressar a colheita. 
 
VITOR: Os seus livros de poesia apresentam seu caráter místico e de profundo conhecimento do transcendente e do sagrado. Conte-nos por que decidiu escrever as poesias para ajudas as pessoas.
PH: Porque os textos literários são muito lógicos, muito sisudos, são mais difíceis de entender, porque são mais difíceis de agradar e a poesia e a música são diferentes. Eu acho que a música traz maior facilidade em se descobrir a beleza da verdade.
 
REGINA SHAKTI: Qual o obstáculo mais constante que enfrentou durante todos esses anos de prática? 
PH: Eu? Eu encontrei um adversário muito persistente: é o tal de Hermógenes. É o meu ego pessoal, meu ahamkara. Esse foi o meu obstáculo mais constante e continua sendo.
 
REGINA: Se o senhor tivesse apenas 15 minutos de vida, o que aconselharia para o ser humano em poucas palavras?
PH: Ame, ame, ame...o amor inspira o resto.
 
DR. JOSÉ RUGUÊ RIBEIRO JÚNIOR: Em 1965, o senhor recebeu em sua casa, juntamente com sua esposa Maria, o Sri Janardana, um mestre de Suddha Dharma Mandalam da Índia e esse encontro provocou um profundo efeito nos três, como um reencontro. Qual é o principal ensinamento que o senhor poderia destacar deste mestre?
PH: Humildade, suavidade, severidade e a capacidade de amar.
 
DR. RUGUÊ: Qual o efeito que teve este contato sobre o trabalho que o senhor e a sua esposas realizaram a partir daí?
PH: Nós estivemos algum tempo no Suddha Dharma como devotos e, em nome do Suddha Dharma nós realizamos grandes trabalhos.
 
MARIA LAURA PACKER: Em sua opinião, qual deve compor o sadhana de um iniciante no Yoga e qual a sadhana para um praticante com alguns anos no Yoga?
PH: Ao iniciante do Yoga indico uma prática, uma maior fidelidade aos yamas e niyamas que deve prosseguir o resto de sua vida quando ele for um professor. Yamas e niyamas sempre!
 
MARIA LAURA: Qual é a mensagem que o senhor tem para os professores de Yoga do Brasil?
PH: Não queira refazer o Yoga, o Yoga antes de você e depois de você. Não reinvente o Yoga!


ARTHUR VERÍSSIMO: O senhor já se aventurou em muitas viagens pela Índia. Poderia contar um episódio insólito, um personagem inesperado em suas andanças ao subcontinente?
PH: Não, não tive esse merecimento.
 
MARCO SCHULTZ: Professor, quais são as grandes referências, os grandes exemplos de vida que te inspiram, te ensinam e te norteiam o caminho?
PH: Jesus Cristo, Sai Baba, Francisco de Assis, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce,  Chico Xavier e muitos outros. 
 
MARCO: Fale-nos um pouco da sua relação com nosso grande mestre brasileiro Chico Xavier. Qual a relação dele com o Yoga?
PH: Eu apreciei o trabalho de Chico Xavier ao longo de muitos anos, sem ter nenhuma idéia de algum dia chegar perto dele. Mas aconteceu isso e eu fui muito acalentado pelo amor que ele demonstrou, pela delicadeza com que ele julgou meu trabalho. Eu me impressiono muito com sua humildade, que revela realmente o brilho de sua grandeza. 
 
GUILHERME NASCIMENTO: Devemos servir o Yoga ou o Yoga deve nos servir?
PH: É, de fato devemos servir o Yoga. E, servindo o Yoga ele nos serve. Agora, trabalhar Yoga somente pensando em si mesmo, pode ser muito freqüente, muito aceito, mas eu acho que o Yoga que eu pratico é para beneficiar o mundo. Oferecer o fruto das ações a Deus. Servir. Yoga é servir. Agora, praticar o Yoga para me iluminar sem pensar no sofrimento que o mundo padece não é o meu caso. 
 
ANTONIO TIGRE: Como é possível para um yogi encontrar a paz espiritual dentro das exigências frenéticas do capitalismo mundano? Cumprir suas obrigações com família e trabalho sem deixar que atrapalhe o caminho da sadhana?
PH: O capitalismo amplia, fortalece os kleshas. Aumenta a ignorância, aumenta o egoísmo, aumenta nossos apegos, aumenta as nossas aversões e nos aprisiona dentro do medo de morrer. Então eu posso servir à família, cumprir o meu dever de cidadão sempre com a preocupação de não me deixar dominar. Os empresários têm realmente um grande poder de melhorar o capitalismo, você pode ser um yogi e ser um capitalista. Basta que entregue os frutos de suas ações a Deus. É preciso apenas manter a vigilância e não se deixar dominar. 
 
GUSTAVO PONCE: A julgar pelas extensas bibliografias em cada um dos seus livros, é evidente que o senhor é um ávido leitor. Dos livros que já leu, qual ou quais sã os que mais te marcaram ou influenciaram?
PH: O Evangelho de Jesus, O Evangelho de Ramakrishna e o Bhagavad Gita são os livros que mais me influenciaram. São os caminhos que percorri.
 
DA REDAÇÃO DA PYJ: Como vai mudando a prática ao longo dos anos do praticante? O que evolui e o que se limita? Qual a diferença entre professor e mestre?
PH: Parabéns porque vocês já compreendem que existe uma diferença entre professor e mestre. Eu não sou mestre porque ainda estou em processo de reencarnação, ainda não me iluminei, nem vou trabalhar com Yoga para me iluminar e sim para me tornar melhor servidor.  E o que a gente tem que fazer ao longo da prática, com os anos passando é reduzir o grande obstáculo dos kleshas. Os kleshas: a ignorância, o egoísmo, o apego, a aversão e o medo de morrer que tanto nos impedem a felicidade. O que evolui é o amor, o que se limita é o ego...os kleshas...os kleshas. 
 
*colaborou Vitor Caruso

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