Olhe para os dois lados


Observe os mundos interior e exterior com esta meditação de olhos abertos.Shambhavi mudra é uma meditação de olhos abertos feita para integrar (ou reintegrar) nossos mundos interno e externo.

Observe os mundos interior e exterior com esta meditação de olhos abertos
 
Quando meditamos, normalmente pensamos em ir para dentro. Fechamos os olhos e focamos nossa atenção em algum processo interno que ocorre espontaneamente, como a respiração, ou a repetição de um mantra. A suposição lógica — e a ideia reforçada pelos professores — é que o objeto da nossa meditação, nosso autêntico Eu está em algum lugar “dentro” de nós. Acompanhando esta crença está a ideia de que o mundo “de fora”, devido à grande agitação, distrai, e que é um obstáculo para a meditação. Patañjali resumiu essa visão clássica de meditação no Yoga Sutra. Para ele, o mundo material era destituído de Eu, e era o último obstáculo para a autorrealização. Muitas vezes, o yogi clássico era comparado com uma tartaruga encolhendo os membros e a cabeça no casco, como mostra o Bhagavad Gita: “Tendo recolhido todos os seus sentidos a partir do objeto do sentido, como uma tartaruga se encolhe para dentro do seu casco, aquele homem é um homem de uma sabedoria sólida” (Bhagavad Gita 2:40, tradução de Stephen Mitchell).
 
Mas algumas tradições de Yoga são fundamentadas em crenças sobre o Eu divino que cria, sustenta e permeia o mundo e seus habitantes. Nas palavras do acadêmico tântrico Daniel Odier, o universo está dentro de uma densidade ininterrupta de consciência preenchida pelo Eu. Enquanto o mundo externo é infinitamente diverso, o Eu divino é unificado. “Interior” e “exterior” são, desse modo, melhor compreendidos mais como conceitos relativos do que absolutos. 
 
             De acordo com essas escolas de pensamento, se excluirmos o mundo externo da nossa meditação, cortamos o Eu pela metade, no sentido figurado, e o máximo que podemos esperar é uma realização parcial do Eu. “Ir para dentro” é um importante passo para estabelecer aquilo que entendemos como percepção interna. Porém, o próximo passo é incluir o mundo externo, que não é diferente do nosso Eu interno. 
 
O selo da felicidade
 
            A maioria dos livros de Hatha Yoga tradicionais do século 14 ao 19 menciona um tipo de prática “bifocal” que é conhecida popularmente como shambhavi mudra — o selo (mudra) que produz felicidade (shambhavi). Shambhu (a palavra da qual shambhavi é derivada), ou Shiva, refere-se ao estado de autorrealização que produz felicidade. Um mudra é considerado um lacre com uma superfície elevada, como um anel com um brasão. Da mesma maneira que o anel tem uma gravação feita com algo parecido com cera na superfície, o sinal de shambhavi mudra ou selo é o cunho divino na consciência receptiva do meditador, que é transformado na imagem do divino. Por meio de algum tipo de técnica física ou mental, omudra  também sela ou fecha um canal de energia, selando e circulando a energia do corpo para intensificar a meditação.
            Você já deve conhecer os gestos com as mãos (hasta ou kara mudras), que são simples configurações das mãos e dos dedos tipicamente feitos durante um pranayama ou meditação. Mas há mais duas categorias de mudras: o selo da consciência (citta mudra) e selo do corpo (kaya mudra). Os selos da consciência são visualizações detalhadas para fechar a consciência em certas áreas do corpo. Os selos do corpo são exercícios que envolvem dar forma ou ligar diferentes partes do corpo ou órgãos, como lábios, língua ou barriga; por exemplo, o selo do canto do galo (kaki mudra) envolve franzir os lábios como um bico de galo e sorver o ar. Acredita-se que os mudras podem proteger das doenças, estender a duração da vida e, se desempenhados corretamente, conduzir à autorrealização. Alguns mudras (incluindo seus “parentes” próximos, como bandhas) representam um papel central no Hatha Yoga tradicional, apesar de que hoje os selos do corpo e da consciência são, na maioria das vezes, negligenciados ou esquecidos na prática de asana no Ocidente. 
Shambhavi mudra é uma meditação de olhos abertos feita para integrar (ou reintegrar) nossos mundos interno e externo. Nos textos históricos, a instrução para praticar o selo de Shiva não se estende além de praticar o selo na meditação (veja instruções acima). Mas se você realmente quer trazer o mundo externo pela meditação, é apropriado trazer a prática do selo de Shiva para o mundo.
            Primeiro você pode tentar fazer shambhavi mudra durante sua prática de asana. Tente identificar em que mundo de alguma maneira você não faz, mas se torna aquela postura. Então, você estará pronto para trazer a consciência de shambhavi à sua vida diária. No começo, com cuidado, enquanto caminha por uma rua quieta ou senta-se em um banco no parque, gradualmente expandindo o alcance do seu envolvimento. O acadêmico hindu Mark Dyczkowski escreveu em seu livro The Doctrine of Vibration sobre o shambhavi mudra, “que o poder da consciência manifesta-se em dois níveis simultaneamente, que é individualmente e cosmicamente, então os dois aspectos são experimentados juntos em uma realização bem-aventurada em que o resultado é a união dos estados interior e exterior”. Esta é a maneira como selamos e gravamos com a consciência de Shiva.
Richard Rosen é diretor do Pedmont Yoga Studio em Oakland, Califórnia.
 
Box: Pratique o selo
Comece imaginando os canais sutis de energia, ou nadis, que tradicionalmente são numerados em dezenas, centenas ou milhares. Eles são muitos, comparados aos nervos ou veias, mas creio que a analogia mais apropriada é pensar neles como a corrente do oceano fluindo de um lugar para o outro. Este lugar tem um significado enorme no Yoga, e é conhecido como o Olho da Sabedoria (jnana chaksus), a Roda do Comando (ajna chakra) ou também podemos chamar de Estado de Shiva (Shiva stthana).
            Para o primeiro estágio da meditação, feche os olhos, “vá para dentro”, e por alguns minutos, lentamente, circule sua consciência com um fluido sutil através desses canais imaginários, até sentir impregnando em cada célula do seu corpo. Então, lentamente, imagine-se tirando esse fluido dos canais e juntando em um ponto do estado de Shiva. Imagine que o fluido de consciência não pode vazar desse ponto.
            Os textos antigos não descrevem nenhuma orientação do estágio 2, mas creio que o melhor é tentar os primeiros estágios antes de fazer o shambhavi mudra completo. Comece em um quarto escuro olhando uma parede branca. Com sua percepção fixa no estado de Shiva, a fonte do fluido da consciência, abra os olhos pela metade, firmes, tente não piscar (olhos semifechados o ajudarão a não piscar) e faça como uma instrução tradicional que diz: “Olhe para fora, mas não veja”. Em um quarto escuro olhando uma parede não há muito para ver. Você vai se acostumando a meditar de olhos abertos, e estará proporcionando uma situação em que sua atenção não ficará tão dispersa.
            Quando estiver confortável nessa prática, ilumine o quarto e continue a encarar a parede. Depois, vire-se e foque um objeto familiar, mas sem muitos detalhes, como um bloco de Yoga. Deixe-o na sua frente, no chão. Finalmente, quando estiver mais à vontade com a prática, olhe “para fora”, para o espaço da prática.
            O que acontece depois, parafraseando Patañjali, é que o controle individual do corpo e da mente relaxa. Sua consciência se expande além dos limites percebidos para encontrar o que Patañjali chamada de “infinito”, a consciência que percebe todos os espaços. Nesse estágio da meditação, às vezes, experimento um sentimento de grande abertura e paz, como se “eu” só continuasse lá, mas há mais do que um “eu” que é percebido por mim.

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