Com licença, eu vou à luta!


Por: Cacau Peres

Pare de se lamentar pelo que não vai bem na sua vida e busque agora a mudança que tanto almeja.
Por Cacau Peres

Imagine que você tem 43 anos, três filhos entre 5 e 17 anos e está vivendo em um país estrangeiro, pois seu marido (ou esposa) está fazendo um pós-doutorado. Você tem o casamento perfeito, seus filhos são maravilhosos, sua família é objeto de desejo, mas você chega à conclusão de que o seu antigo ideal de felicidade já
não lhe preenche mais. Algo lhe falta, como se parte de sua missão tivesse sido cumprida, mas ainda tivesse mais a ser feito. Você parou seus estudos e deseja cursar uma faculdade, pois sente que tem potencial para construir sua própria carreira. O que você faria? Para a professora-doutora Heloísa Medeiros*, a opção foi partir para a ação.

Enquanto estava nos Estados Unidos, nasceu sua paixão pela arquitetura. Decidiu então prestar vestibular ao retornar ao Brasil e, ainda nos EUA, começou a estudar química, física e outras disciplinas utilizando os livros de seu filho mais velho. 

Hoje não é raro encontrar pessoas que não estão felizes com determinado segmento de sua própria vida. Pode ser uma insatisfação com um relacionamento
afetivo que já não vai tão bem, um incômodo relacionado ao trabalho, ou uma infelicidade em relação à própria autoimagem.

Para concretizar o desejo de mudança, Heloísa prestou vestibular para arquitetura ao voltar ao Brasil e não somente foi aprovada, como passou entre as primeiras colocadas para uma renomada faculdade federal. Concluiu o curso com louvor, e ao término dele, decidiu fazer um mestrado em sua área, seguido de um doutorado. Hoje, além de uma excelente mãe, dona de casa, esposa exemplar e agora avó, Heloísa é também professora-doutora em arquitetura em uma das maiores faculdades federais do País.

Enquanto algumas pessoas preferem manter-se em sua “zona de segurança e conforto” (por mais que na verdade não se sintam seguras ou confortáveis),
permanecendo na mesma situação frustrante, reclamando de sua sorte, de braços cruzados sem nada fazer, outras partem para a mudança do
que supostamente falta para que sejam felizes.

A insatisfação e a inquietação que nos atingem em algum momento da vida (ou em vários momentos), remete à ideia de uma samsara psicológica, de “andar em círculos”, de encontrar na própria mente uma prisão, onde é gerado o nosso sofrimento.

Segundo o monge budista Thanissaro Bhikkhu, a mudança de atitude não é simples, pois requer esforço, dores e riscos, tanto mentais quanto físicos.
Além disso, o novo, a ausência de parâmetros que nos sejam familiares, é perturbador, justamente pelo fato de termos de lidar com a novidade para que a
mudança seja promovida.

Com o propósito de ir à luta para conseguir o que queria, a mineira Carmem Santana* tomou uma atitude radical. Aos 47 anos, casada, mãe de dois filhos
adultos, percebeu que seu casamento já não a fazia feliz como antes. Havia casado com seu primeiro namorado, e desde então seu mundo se resumia a
cuidar do marido, dos dois filhos homens e da casa. Como ela diz: “Meus filhos eram a razão de minha vida. Eu cuidava da alimentação deles, verificava se
suas roupas estavam limpas e passadas”.

No entanto, em 2003, Carmem conheceu, pela internet, uma pessoa 31 anos mais nova. A amizade evoluiu para um relacionamento afetivo intenso e profundo,
mesmo a distância, com eventuais encontros.

Carmem pediu o divórcio ao marido, que não somente recusou-se a separar-se, como ainda bloqueou sua conta bancária para demovê-la da ideia de sair de casa. Ela não pensou duas vezes: reuniu o pouco dinheiro que tinha juntado e saiu de casa literalmente escondida, carregando apenas uma mala com algumas peças de roupas, rumo à cidade de seu recente amor.

A GITA E A CORAGEM DE MUDAR
Segundo a professora de Yoga Juliana Araújo, “essas transformações na nossa vida representam a autotranscendência, aquele chamado interno pela busca da felicidade, o autoconhecimento e a autorrealização, que está relacionada a superar os nossos valores limitantes e nosso ego também”. Para a professora, essa missão é uma batalha e tanto, pois transcender nossos condicionamentos
e mudar nossas atitudes não é uma tarefa fácil. Ela ilustra: “Lembro-me da história do Bhagavad Gita, quando Arjuna sente-se amedrontado por estar no campo de batalha, sentindo-se mal por ter de lutar, e somos parceiros nesse sentimento
de temor e de insegurança quando estamos no nosso campo de batalha. Krishna diz que o jeito é lutar, porque abandonar o campo não é uma opção das mais sábias”.

No Ayurveda também podemos encontrar explicações para as dificuldades que se apresentam quando decidimos quebrar um ciclo de sofrimento em nossas vidas, pois é por meio das qualidades sutis, ou seja, rajas, tamas e sattva, que nossa consciência mais profunda funciona. A terapeuta ayurvédica Fernanda
Ribeiro Lima, de São Paulo, afirma que as três gunas nos ajudam a entender nossa natureza mental e espiritual e como ela trabalha. Ela explica: “Sattva, a qualidade da harmonia e estabilidade, nos fornece contentamento e lucidez, por meio da qual percebemos a verdade das coisas. Por sua vez, rajas e tamas são fatores de desarmonia, e causam ilusão e uma imaginação e percepção equivocadas. No mundo de hoje, com tantos estímulos e competição, é natural que a maioria das pessoas se encontre em um estado tamásico ou rajásico, com uma mente muito longe de sua natural essência”.

Quando optamos pela mudança ou pela inércia, devemos ter em mente que para cada ação corresponde uma consequência, e que mesmo a falta de ação é uma ação por si só. Assim, podemos escolher ou não o que fazer, mas não podemos
escolher os resultados dessas escolhas nem tentar alterar seus efeitos. Segundo o professor Pedro Kupfer, “isso é regulado pela lei do karma. Não existem nem julgamento, nem juiz. Somente leis imutáveis”.


Três anos após sua mudança radical, Carmem reconhece que enfrentou tempos muito difíceis tanto financeira quanto emocionalmente. Mas ela conseguiu se divorciar, hoje tem seu próprio carro e apartamento e entrou de sócia na agência
onde começou como recepcionista. E o amor? “Vai muito bem, obrigada!” Porém, confirmando a declaração de Kupfer de que “para cada ação existe uma consequência”, ela lamenta que até hoje seu filho mais velho não a tenha perdoado por ter saído de casa e se juntado a uma pessoa mais jovem que ele próprio.

Viver em eterna lamentação, sem tomar uma atitude para quebrar esse ciclo de infelicidade, parece ser o mais comum, pois segundo o professor de Yoga Gopala, diretor do Centro Sivananda de Porto Alegre, vivemos em avidya, ou seja, não conhecemos verdadeiramente a nós mesmos. Ele diz: “Vidya – conhecimento do Absoluto – é experimentado por meio da realização direta de quem realmente somos, como diz uma das mais célebres frases das Upanishads: “Eu sou Brahman, Eu sou o absoluto”. Assim sendo, dentro da visão ordinária vivemos em
avidya, representando a ignorância em relação à nossa própria natureza, agindo como um elo que nos prende ao samsara.

A SAM SARA DA AUTOIMAGEM
Caroline Schneider sempre foi vítima de sua própria samsara psicológica quando o assunto era sua autoimagem. Ela conviveu com o peso extra desde criança, comendo de forma compulsiva. Buscou várias tentativas de emagrecimento, mas todas foram infrutíferas. O excesso de peso trouxe complicações mais sérias para sua vida, fazendo com que ela tivesse pré-eclâmpsia na gestação de sua filha, tendo esta nascido prematura. Para completar sua frustração, seu casamento foi por água abaixo quando a filha tinha somente 4 meses de vida.

Caroline diz que o confronto com o espelho era evitado a qualquer custo, pois, segundo ela, “isso era uma afronta ao meu ego”. Porém, quando se deparou com a verdade, ela estava pesando 126 quilos, aos 27 anos de idade. Ela diz: “Fiquei tão tonta para conseguir internalizar aquilo que lágrimas não foram o bastante para exprimir o que senti naquele momento. Como pude chegar naquele ponto?”

Caroline, no entanto, vendo a vida se desmoronar à sua volta, optou por quebrar a samsara de sofrimento. Nasceu uma imensa vontade de reescrever sua própria história. “Antes, minhas angústias, frustrações e medos comandavam meu apetite; não sabia senti-los. Passei a frear o gatilho das minhas emoções, me observando. Compreendi que a verdade dos outros nem sempre serve para mim, assim como a minha nem sempre serve para os outros.”

A quebra da samsara é complexa e requer esforço, pois ainda segundo Gopala, nós nos identificamos com o pêndulo das emoções de nossas preferências e aversões (raga e devesha), que nos iludem o tempo todo. Ele diz: “É necessário um despertar luminoso (sattva) que nos permita sacudir a poeira acumulada de ignorância (tamas) que se traduz em relacionamentos viciados e ciclos equivocados de hábitos que nos levam ao sofrimento. A partir do momento em que podemos reconhecer a verdadeira beleza e perfeição inerentes em todos, desenvolvemos um respeito maior que se traduz em felicidade perene”.

Por meio dessas mudanças internas, Caroline buscou uma reeducação alimentar e em sete meses conseguiu emagrecer exatamente a metade de seu peso, chegando a 63 quilos. Ela mantém esse novo peso há três anos, mostrando que a mudança veio para ficar. Pela internet, ela estimula outras pessoas em seu
blog: http://operacaometamorfose.blogspot.com.

O CALOR DA MUDANÇA
Segundo Janaína Chagas, terapeuta ayurvédica do Rio de Janeiro, por meio do Ayurveda podemos resgatar essas essências até então perdidas, do tamásico,
que é a energia mais distante da luz, trabalhando para chegar ao rajásico, que é a energia da paixão, a energia do movimento de mudança, o fogo que nos mpulsiona a transformar, que será necessário para enfim chegarmos à energia sattvica, equilibrada.

Essa força transformadora tomou conta de Carolina Langowski e de seu marido, Raphael, quando abandonaram suas promissoras carreiras em Curitiba, mudaram-se para uma pequena praia em Santa Catarina e abriram uma pousada. Eles sempre ouviram as pessoas dizendo que o sonho delas era um dia se aposentarem, mudarem para uma praia, terem uma pousada e uma vida pacata. Mas, segundo eles, “a vida está passando, e não dá para esperar se aposentar para então ir atrás do que se quer!”

Carolina cursava fisioterapia e educação física, e seu pai médico era bastante conhecido em Curitiba, já tendo por certo que muitos empregos esperavam a “filha do doutor...”. Mas ela não queria saber de doenças e sim de saúde e bem-estar, por isso foi seduzida por ter qualidade de vida e viver disso. Já Raphael tinha uma agência de publicidade em ascensão, que, paradoxalmente, ceifava seu tempo para dedicar-se à sua paixão, as artes plásticas. Dessa insatisfação com o que o presente e o futuro lhes acenava, eles decidiram vender o que possuíam em Curitiba e em 2001 construíram, na praia de Mariscal, quatro chalés, acomodaram-se em um e alugaram os outros.

Durante as obras, Rapha e Carol sobreviveram dando aulas de Yoga, principalmente durante o inverno, quando a procura por pousadas diminui na
região. A partir de então as coisas foram fluindo de forma natural, como as aulas de anatomia em cursos de formação em Yoga que Carol passou a ser convidada
a ministrar, e os trabalhos de Rapha, que passaram a ser reconhecidos aqui e no exterior.

Carol reconhece as dificuldades que enfrentaram ao longo do caminho: “Ter uma pousada não é um sonho colorido, pois exige muito mais trabalho que as pessoas imaginam. A diferença é a forma como enxergamos os obstáculos, nos apegando ao lado negativo ou positivo da situação”. Ainda assim, nem ela nem o marido se arrependem de terem se livrado das amarras da antiga insatisfação: “Temos uma vida de sonho, com muita simplicidade, onde podemos curtir e ser livres. Hoje nos sentimos muito mais leves e realizados, com a certeza de que encontramos o nosso caminho”. Ela lembra, no entanto, que as mudanças devem sempre surgir
do interior para o exterior, e não o contrário, pois em sua visão, é essencial tomar atitudes para mudar coisas de que não gostamos em nossas vidas, mas a real felicidade só surge quando promovemos uma mudança interna pautada em bases sólidas.

Segundo a professora Juliana, a decisão de Carol e Rapha demonstra uma boa dose de desapego. Ela diz: “Para que possamos evoluir, esse desapego (vairagya) é necessário e isso demonstra maturidade em relação à vida, ao trabalho, às relações e tudo que deixaremos para trás. Devemos agir usando discernimento (viveka), sabendo que não devemos esperar por uma mudança e sim agir em direção ao que queremos”.

Kupfer diz que o paradoxo entre as lágrimas das dificuldades e a obtenção da nossa meta se resolve por meio do próprio caminhar, na prática. Ele afirma: “Precisamos quebrar o casulo do ego para chegar à essência. O verdadeiro milagre consiste apenas em estar vivo, respirando e sendo”. Ele lembra ainda da famosa frase que diz que: “Não existe caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho”.

Se pretendemos ir à luta em busca do que desejamos, se pretendemos interromper o eterno ciclo de reclamações sobre algo que não vai bem em nossas vidas, devemos ter em mente que as dificuldades são inerentes a qualquer mudança e partir em busca da ação. Segundo Gopala, “temos grande dificuldade
em desvincular-nos dos inúmeros impulsos egoístas que nos assolam. Às vezes construímos um sonho dentro de outro, e por isso a prática do Yoga e a reflexão do Vedanta (vichara) nos permitem sair da letargia consciencial, despertando-nos ao fluxo cósmico ilimitado que é o nosso mais precioso direito como seres humanos”.

Para a terapeuta Janaína, tanto o Yoga quanto o Ayurveda são de extremo auxílio quando da busca dessa quebra de samsara. Segundo ela, ambos trazem para o indivíduo o resgate de si. A terapeuta Fernanda concorda: “Uma pessoa que busca uma vida mais sattvica, com dieta apropriada para seu dosha, realizando
tratamentos ayurvédicos, meditação, pranayamas e Yoga, adquire cada vez mais equilíbrio e paz de espírito e encara a vida como uma experiência de muitos aprendizados e não um mar de problemas e aborrecimentos”. Juliana reforça: “Pensamentos ruins, sensação de derrota, querer voltar para aquilo
que é conhecido, pensar que tudo pode dar errado são comuns. Mas Patañjali sabiamente dedica um tempinho no Yoga Sutra para falar que “se você pensa isso, por que não pensar no oposto? As possibilidades são as mesmas para ambas!”

E a prática de Yoga nisso tudo? (por Edi Lisboa)
A prática de Yoga nos ajuda nas mudanças que buscamos por meio da reflexão que ela propõe. A utilização adequada de suas ferramentas semeia o campo fértil da equanimidade e da tranquilidade – os alicerces sobre os quais podemos agir no mundo, desenvolvendo mais objetividade para o que desejamos em nossas
vidas. Com uma mente mais tranquila, aprendemos a apreciar as situações cotidianas sem as amarras dos condicionamentos subjetivos.

A interpretação de um fato ou acontecimento passa a ser feita com certo “distanciamento”, pois passamos a enxergar o mundo meramente como testemunhas e observadores. Assim, reduz-se o impacto que as adversidades
externas nos causam, e os conflitos internos são amenizados. Isso tudo nos
permite entender por que estamos mergulhados em determinada situação ou
emoção, entendendo a sua natureza e motivação.

Nesse momento acende--se aquela luzinha no fim do túnel das possibilidades...

A prática de Yoga não é o remédio mágico para todos os males, mas é libertadora,
pois nos deixa lúcidos e despertos, e passamos a olhar para as situações na forma como elas se apresentam. Somente assim podemos, a partir daí, tomar a decisão que for mais adequada para o momento presente. 
Om shanti! 

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