Inicie a jornada


Por: Judith Lasater

Uma vida ética é o primeiro passo para o verdadeiro caminho do Yoga
 

Tradução: Thays Biasetti

Quando nossas crianças eram pequenas, meu marido e eu criávamos coragem para levá-los para jantar. Antes de entrar no restaurante, um de nós os lembrava de ser bonzinhos ou teríamos que sair. Esse aviso tinha “meio sucesso”, então um dia meu marido mudou para uma abordagem mais efetiva. Na próxima saída, lembramo-os de “ficar na cadeira, não jogar comida e não gritar. Se fizessem qualquer uma dessas coisas, um de nós iria tirá-los do restaurante de uma vez.” Nós esbarramos com uma técnica mais efetiva, e funcionou direitinho.

Interessantemente, Patanjali, o autor do Yoga Sutra escrito dois séculos depois da vida de Jesus, demonstra uma abordagem similar no estudo do Yoga. No segundo capítulo de seu livro ele apresenta cinco preceitos éticos chamados yamas, que nos dá diretrizes básicas de como viver uma vida de realização pessoal que também beneficiará a sociedade. Ele, então, deixa claro a conseqüência de não seguir esses ensinamentos: simplesmente vamos continuar a sofrer.

Feito em quatro capítulos, ou padas, o Yoga Sutra elucida os ensinamentos básicos de Yoga em versos curtos chamados sutras. No segundo capítulo Patanjali apresenta o asthanga, ou sistema de oito membros, pelo qual ele é tão famoso. Enquanto ocidentais podem ter mais familiaridade com asanas, o terceiro membro (postura), os yamas são realmente o primeiro passo na prática que direciona toda estrutura de nossas vidas, não apenas saúde física ou existência espiritual isolada. O resto dos membros são niyamas, preceitos mais pessoais; pranayama, exercícios respiratórios; pratyahara, controle dos sentidos; dharana, concentração; dhyana, meditação; e samadhi, contemplação.

O Yoga Sutra não é apresentado como uma tentativa de controlar o comportamento baseado em imperativos morais. Os sutras não sugerem que somos “maus” ou “bons” baseados no comportamento, mas no fato de que se escolhemos certo comportamento temos certos resultados. Se você rouba, por exemplo, não apenas prejudicará os outros, mas você também sofrerá.

Os cincos preceitos éticos
O primeiro yama é também o mais famoso: ahimsa, usualmente traduzido como “não-violência.” Isso se refere não apenas à violência física, mas também à violência de palavras ou pensamentos. O que pensamos sobre nós mesmos ou outros pode ser tão poderoso como qualquer tentativa física de dano. Praticar ahimsa é ser constantemente vigilante, nos observar em interação com os outros e notar pensamentos e intenções. Tente praticar ahimsa observando os pensamentos quando um fumante senta próximo a você. Seus pensamentos podem ser tão prejudiciais a você quanto o cigarro para ele.

É frequentemente dito que se alguém consegue aperfeiçoar a prática de ahimsa, não precisa aprender nenhuma outra prática de Yoga, porque todas as outras práticas são subordinadas a ela. Qualquer que seja a prática que fazemos, ela deve incluir ahimsa também. Praticar respiração ou posturas sem ahimsa, por exemplo, nega os benefícios que essas práticas oferecem.

Há uma famosa história sobre o ahimsa contada nos Vedas, a vasta coleção de antigos ensinamentos filosóficos da Índia. Um certo sadu, monge peregrino, fazia um circuito anual de aldeias para ensinar. Um dia quando entrou em um vilarejo ele viu uma cobra grande e ameaçadora que estava aterrorizando as pessoas. O sadu falou com a cobra e ensinou-a sobre ahimsa. No ano seguinte quando o sadu visitou novamente o vilarejo, ele viu de novo a cobra. Como estava mudada. Essa criatura uma vez magnífica estava magra e machucada. O sadu perguntou à cobra o que havia acontecido. Ela respondeu que o ensinamento do ahimsa tinha entrado em seu coração e ela tinha parado de aterrorizar o vilarejo. Mas por não ser mais ameaçadora, as crianças agora jogavam pedras e a insultavam, e ela tinha medo de deixar seu esconderijo para caçar. O sadu balançou a cabeça, “eu avisei sobre a violência,” ele disse, “mas nunca disse para não deixar de fazer seu silvo.”

Proteger a si mesmo e os outros não viola ahimsa. Praticar ahimsa significa tomar responsabilidade por nossos comportamentos nocivos e tentar parar o mal causado por outros. Ser neutro não é o objetivo. Praticar ahimsa verdadeiro brota da intenção clara em agir com clareza e amor.

Paranjali lista satya, ou verdade, como o próximo yama. Mas dizer a verdade pode não ser tão fácil como parece. Pesquisadores descobriram que testemunhas oculares de um acontecimento não são confiáveis. Quanto mais inflexíveis as testemunhas são, mais imprecisas tendem a ser. Mesmo cientistas treinados, cujo trabalho é ser completamente objetivo, discordam sobre o que viram e na interpretação de seus resultados.

Então o que significa dizer a verdade? Para mim, significa que falo com a intenção de ser verdadeiro, dado que o que chamo de verdade é filtrado pela minha experiência e crenças sobre o mundo. Mas quando falo com essa intenção, tenho uma chance melhor de não prejudicar os outros.

Outro aspecto de satya tem a ver com verdade interna ou integridade, uma prática mais profunda e mais interna. Honestidade é o que fazemos quando outros estão em volta e podem julgar nossas ações ou palavras, mas ter integridade é agir de maneira honesta quando os outros não estão por perto e nunca vão saber de nossas ações.
Em sânscrito, sat significa a verdade eterna, imutável além de todo conhecimento; ya é o sufixo ativo que signigica “faça”. Então satya significa “expressar ativamente e estar em harmonia com a verdade final.” Nesse estado não podemos mentir ou agir “não verdadeiramente”, porque estamos unidos com a verdade pura.

O terceiro yama é asteya, não roubar. Embora comumente entendido como não pegar o que não é seu, também pode significar não pegar mais do que precisamos. Falhamos em praticar asteya quando levamos crédito pelo que não é nosso ou pegamos mais comida do que vamos comer. Também falhamos quando roubamos de nós mesmos – negligenciando um talento, ou deixando que uma falta de comprometimento nos mantenha afastados do Yoga. A fim de roubar, alguém tem que ser envolvido em avidya, ou ignorância sobre a natureza da realidade, um termo introduzido por Patanjali em seu segundo capítulo. Avidya é o oposto de Yoga, que nos conecta com tudo o que é.

O próximo yama é brahmacharya, um dos mais difíceis de entender para os ocidentais. A tradução clássica é “celibato”, mas Brahma é o nome de uma deidade, char significa “andar”, e ya signigica “ativamente”, entãobrahmacharya significa “andar com Deus.”

Para algumas pessoas, o amor sexual não oferece muita atração. Outros sacrificam essa parte da vida para viver com um monge ou freira e assim consagrar a sua sexualidade a Deus. Brahmacharya não significa apenas desistir do sexo; também significa transmutar a energia sexual em algo mais, principalmente, devoção a Deus.

Mas para a pessoa comum que aceitou o estudo do Yoga, brahmacharya pode significar apenas se manter fiel dentro de um relacionamento monogâmico. Dr. Usharbudh Arya, autor de uma tradução extensa do Yoga Sutra, uma vez deu uma explicação simples de brahmacharya: quando estiver fazendo sexo, faça sexo; quando não estiver, não faça. Fique no presente e foque em que está acontecendo agora sem obsessão.

Outra abordagem é usar a energia sexual, como todas as energias da vida, de acordo com a prática deahimsa. Isso significa que nos respeitamos e a nosso parceiro quando estamos em um relacionamento sexual e não usamos os outros ou fazemos sexo negligentemente. Lembrando a divindade do eu e do outro, podemos permitir que a sexualidade seja parte de uma prática maior de Yoga.

yama final na lista de Patanjali é aparigraha, não ganância, ou desapego. Esse é bem difícil de praticar, pois somos cercados de propagandas que nos tentam a ceder a nosso desejo de mais. Em alguns aspectos, o sistema econômico de nossa sociedade é baseada na ganância.

Quando meu marido estava na faculdade de direito vivíamos uma vida simples; vestíamos jeans, tínhamos um carro velho, e raramente tínhamos dinheiro para luxúrias como roupas novas, jantares chiques, ou férias. Depois que ele se formou e começou a trabalhar, as coisas mudaram. Um dia ele me convidou para almoçar, e o encontraria em um lobby de hotel caro. Enquanto o esperava chegar, não pude evitar de notar as pessoas lindas que passavam em suas roupas elegantes, com seus relógios caros. Fui tomada por um estranho e poderoso desejo. Quando expliquei meus sentimentos para meu marido, sua resposta foi simples: “Isso é ganância.”

Mas ganância não é só limitada a bens materiais. Podemos ansiar por iluminação, asanas difíceis, poderes espirituais, ou benção perfeita. Uma maneira de escapar da armadilha da ganância é seguir o conselho dos sábios: Seja feliz com o que tem. Esse espírito de renúncia verdadeira diminuirá o poder de aparigraha.

No verso 30 do capítulo 2 do Yoga Sutra, Patanjali chama os yamas de “o grande voto”, a ser praticado em todos os momentos. Esta é uma tarefa difícil, mas se seguirmos este voto, o poder liberado em nossas vidas e nas vidas dos outros será impressionante. Uma maneira de fazer isto é escolher um yama para focar por um período de tempo. Em seguida, refletir sobre como esta prática tem afetado sua vida. Não se preocupe se você se esquecer de praticar o seu yama, ou mesmo se você não puder segui-lo em cada situação. Seu esforço e conscientização será a vitória.
Judith Lasater é professora de Yoga conhecida internacionalmente e autora de Living Your Yoga and Relax and Renew: Restful Yoga for Stressful Times (sem tradução no Brasil).
 

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