Prática consciente


FILOSOFIA


Aprenda a relacionar os princípios yóguicos com o meio ambiente e viva em harmonia com a natureza e todos os seres

Por Patrícia Ribeiro

Quando ouvimos falar sobre problemas ambientais, as primeiras imagens que vêm a nossas mentes são a destruição da floresta Amazônica, o derramamento de óleo no mar, as geleiras descongelando no continente Antártico e cidades submersas. O que a maioria das pessoas não sabe é que os problemas ambientais que estão ocorrendo no mundo têm tudo a ver com a maneira de nos relacionarmos com tudo à nossa volta, desde escovar os dentes, tomar banho, abrir a geladeira, dirigir, navegar na internet. O universo é interdependente e nós também somos co-responsáveis por esses problemas. Desse modo, nossas ações individuais podem fazer muita diferença. Uma das definições de dharma é “aquilo que mantém unido”, mas pode ser interpretada de outra maneira, segundo o professor de Yoga Pedro Kupfer: “Dharma é um grupo de valores, eternos e universais, através do quais se estabelece uma convivência harmoniosa na sociedade. É aquilo ao qual o homem se mantém fiel ao longo da sua vida e o que pauta suas escolhas e ações”. Como praticantes de Yoga, devemos saber que a prática não deve se limitar ao tapetinho, à repetição de mantras e à meditação. Ser consumidores conscientes, economizar energia e água, reciclar lixo, usar menos o carro é estar vivenciando os códigos de conduta yogi na prática.

É claro que não é por isso que nunca mais vamos andar de carro, não tomar mais banho ou não consumir produtos industrializados. Adotar um estilo de vida sustentável é mais fácil do que se imagina, desde que haja pequenas mudanças de comportamento. Mas, primeiro, precisamos entender alguns conceitos. 

Embora o tema esteja em voga, a tal da sustentabilidade ainda é um termo muito vago para a maioria das pessoas, que acredita que as questões ambientais sejam responsabilidade das organizações não-governamentais, do governo e das empresas. Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas, o desenvolvimento sustentável é capaz de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações, ou seja, temos de cuidar hoje do meio ambiente para que nada falte amanhã.

Hora de mudar

Depois de compreender a teoria, o mais díficil é colocar esse conceito em prática. Nem todo mundo gosta de mudar. Isso implica muitas coisas — dá preguiça, dá trabalho, somos individualistas e se não faltar água no chuveiro e não tiver ameaça de outro apagão, está tudo bem. Felizmente muitas pessoas já despertaram e viram que não é bem assim que as coisas funcionam e que não basta ficar apenas no discurso.

Influenciados pelos ensinamentos do Yoga e pelo amor à natureza, três instrutores de Yoga — Murilo Trevisan, Cristiane Tabarelli e Silvana Cutolo, de São Paulo — fundaram a ONG Tudo Vem da Natureza, com o objetivo de despertar a consciência ecológica na sociedade. “Percebemos que a prática de Yoga mudou nossa atitude em relação ao meio ambiente e resolvemos pesquisar como isso ocorreu”, conta Cristiane Tabarelli, que também é bióloga. A ONG atua no aprimoramento teórico entre os ensinamentos do Yoga e os princípios ecológicos, promove campanhas de consumo consciente, realiza oficinas de conscientização ambiental unindo Yoga, arte e ecologia. Como bióloga, Cristiane percebeu claramente as relações de interpedência entre os seres vivos. “Notar que a sobrevivência humana depende de inúmeras cadeias de relações, que vão do nível celular até o nível ambiental, nos torna mais conscientes que o ser humano não é o centro do mundo e que nós é que temos a responsabilidade de manter o funcionamento harmônico do universo”, avalia. 

Um dos princípios mais importantes do código yogi é ahimsa, a não-violência, que pode ser entendida de maneira mais ampla se considerarmos a agressão ao meio ambiente. Segundo Pedro Kupfer, se os praticantes de Yoga ficarem conscientes o tempo todo da ahimsa, haverá uma transformação profunda na sociedade. “Os shastras, textos tradicionais do Yoga, convidam o praticante, como corolário natural da prática da não-violência, a adotar uma dieta vegetariana.” No mundo interdependente, comer carne significa, indiretamente, ser conivente com ações contra o meio ambiente, já que parte das florestas são destruídas para fazer pasto para o gado. 

Nem todos estão preparados para uma mudança tão radical, então, a melhor maneira é começar aos poucos, com pequenas mudanças na rotina. O professor de Yoga Tiago Collado Bastos faz sua parte. Usa a bicicleta como meio de transporte, recicla lixo, presta atenção ao que consome e reflete: “Vivemos numa sociedade cujos valores divergem muito daqueles retratados nos textos antigos de Yoga. Isso significa que não é do dia para noite que conseguiremos mudar nossa conduta individualista. Tanto a medicina quanto a psicologia concordam que aproximadamente 90% do aprendizado humano acontece por repetição. Mesmo que o lixo reciclado em apenas uma residência não seja suficiente para solucionar o uso desequilibrado dos recursos naturais, com certeza esse exemplo influenciará outra pessoa, e o efeito dominó começa, a mudança coletiva acontece”. 

Felizmente muitos brasileiros estão percebendo a importância de cuidar do meio ambiente e as conseqüências dos próprios atos. As empresas também tiveram de se adequar aos novos tempos e nunca surgiram tantas opções verdes para o consumidor: são produtos biodegradáveis, alimentos orgânicos, campanhas para reciclar o lixo e o óleo de cozinha, programas de conscientização para economizar água e energia, fóruns para se discutir o problema da poluição e do trânsito nas grandes metrópoles. Recentemente, chegou ao Brasil o mat ecológico, que não contém PVC na sua composição, o mat é feito de borracha natural, biodegradável e inodoro. 

O problema é que a maioria não faz uma relação do seu consumo diário com as mudanças climáticas. Na verdade, andar de carro, a madeira usada na construção e na reforma da casa, a carne que consumimos e o uso de aparelhos eletroeletrônicos contribuem para as mudanças climáticas do planeta, pois estamos consumindo os recursos naturais, como petróleo, carvão e gás natural, para gerar energia, tanto para a produção industrial quanto para consumo residencial e para os veículos. As florestas, que absorvem e estocam o carbono, são destruídas e queimadas para obter madeira e para ocupação da terra pela agricultura e pecuária. O consumo de cada um deixa uma marca, uma pegada ecológica, de degradação ambiental. “Consumidores, empresas e governos devem atuar juntos. Por exemplo, não é o suficiente fazer campanhas para deixar de usar o carro se não há transporte coletivo de qualidade e ciclovias”, sugere Lia Gunn, gerente de informação do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). 

Casa viva 

Muitos de nós talvez sonhemos com uma casa no campo, do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé, onde se possam plantar os amigos, os discos e livros e nada mais, como já cantava Elis Regina. Outras querem uma casa com essas características, mas perto da cidade, e mais: onde se possa captar energia solar, tirar água de um poço, muitas plantas, uma horta orgânica e bichos, tudo na mais perfeita harmonia com a natureza.

Para muitos, ainda é um sonho distante, mas para pessoas ousadas como a professora de Yoga Andréa Palma, o projeto já é uma realidade erguida com suor, trabalho e amor. O resultado é uma casa sustentável de 280 m2 em um condomínio em Cotia (SP), onde se sente a energia em todos os cantos. “A casa é viva, a parede respira, foi feita com barro, pau-a-pique, palhas de milho e arroz e com estrutura de talas de bambu”, explica a proprietária. 

Como o conceito ainda é novo no Brasil, muitas pessoas ainda não sabem o que é uma casa ecológica ou sustentável. Segundo a arquiteta Márcia Mikai, do CBCS (Conselho Brasileiro de Construção Sustentável), há uma diferença. “Podemos dizer que uma casa ecológica tem como foco principal as questões puramente ambientais. A construção sustentável, por sua vez, tem como base o triple bottom line, cujo tripé são os aspectos ambientais, sociais e econômicos, que devem ser abordados de forma equilibrada.”

Andréa, que morou durante sete anos em uma comunidade auto-sustentável na Califórnia, tinha muitas idéias para construir sua casa, mas não sabia como começar e procurou a ajuda de dois arquitetos especializados no assunto, Marcelo Todescan e Frank Siciliano. Eles procuraram realizar o projeto dela respeitando os aspectos sociais, ecológicos e econômicos. No projeto utilizaram a técnica japonesa Tsuchi Kabe, empregada na construção de templos budistas, casas de luxo e edificações no estilo tradicional. Segundo eles, a técnica é simples e fácil. Utiliza matérias-primas naturais, como pedras nos alicerces, paredes leves e finas, de estrutura em madeira reciclada, bambu, terra e argila. A casa foi construída segundo esses conceitos. As paredes de barro controlam a umidade e a temperatura interna da residência é muito melhor do que a de alvenaria convencional; o acabamento recebeu uma pintura à base de cal. Foram usados madeira de eucalipto certificada e um painel que capta a energia solar e aquece a água. Telhas de demolição e material reciclado foram usados na cobertura, as lâmpadas e os eletrodomésticos são de baixo consumo e a propriedade ainda conta com um poço semi-artesiano e composteira ( local onde o material orgânico, junto com folhas secas ou grama, pode ser transformado em adubo para o jardim), uma fossa que separa os dejetos no solo, onde são filtrados e acabam voltando para a terra como fonte de nutrientes para as plantas. 

Um ano depois da obra pronta, Andréa comenta: “A casa tem uma energia própria. As pessoas estão acostumadas a viver em ‘jaulas’. Esta é a diferença entre morar num lugar sustentável — você tem realmente a sensação de estar interagindo com a natureza, o prana flui entre você e a casa”. 

O arquiteto Marcelo Todescan afirma que é mais caro que construir uma casa convencional — cerca de 30% —, mas o investimento se paga a médio e longo prazos. “O custo do m2 convencional em comparação ao ecologicamente correto é mais caro, em função do acabamento, mas o que determina o preço é o material, se é mais sofisticado; porém, os custos com água e energia também caem.” 

Segundo Andréa, o investimento vale a pena. “Viver em harmonia com o meio ambiente, bem pertinho dos ciclos naturais, vem me fazendo uma pessoa mais consciente e feliz. Felicidade que nasce descoberta de como viver pode ser simples, e essa simplicidade é que traz moksha (libertação) e, acima de tudo, paz. Assim, percebo que Yoga e ecologia me ensinam a mesma coisa, a respeitar as leis do dharma. Uma vez em união, nada me falta.”

Deixe o carro em casa

Ultimamente, um dos temas mais discutidos na mídia é o problema do transporte, do trânsito e da poluição nas grandes metrópoles. Segundo dados da Cetesb, os veículos que circulam em São Paulo são responsáveis por 95% das emissões de monóxido de carbono e outras substâncias tóxicas que prejudicam a saúde. A poluição atmosférica é uma das causas de problemas oftálmicos, dermatológicos, gastrointestinais, cardiovasculares e pulmonares.

Dentro dessa problemática, alguns yogis já aderiram à magrela como meio de transporte. O professor de Yoga Goura Nataraj, de Curitiba (PR), lidera vários movimentos de iniciativa social e ecológica em sua cidade, como o Jardinagem Libertária, uma proposta de reflorestamento urbano, e é um defensor da inserção da bicicleta como meio de transporte urbano. “Para mim, este é o modal de transporte baseado em ahimsa. Não polui, é silenciosa, faz bem ao espírito e ao corpo, te coloca em contato com o mundo, com a cidade, com as pessoas. O carro nos separa. Cria divisões artificiais”, acredita. 

No Brasil, existem apenas 2.500 km de ciclovias, o que ainda é muito pouco. O Rio de Janeiro é o município com mais ciclovias, 140 km. Em compensação, São Paulo tem 42 km de ciclovias, contando com as dos parques e com as que estão em obras. A prefeitura criou, em 2006, o Grupo Executivo Pró-Ciclista para incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte urbano. Está em obra uma ciclovia de 12 km na Radial Leste, acompanhando a linha do metrô.

Mas ainda são muitos os obstáculos para quem deseja usar a bicicleta nas grandes cidades. Além de ser inseguro pedalar pelas ruas da metrópole, há ainda outros problemas, como não ter onde deixar a bicicleta e a falta de respeito dos motoristas. “Muitos estacionamentos não permitem a entrada de bicicleta, nas grandes avenidas temos de ficar entre a faixa de ônibus e a do carro e fico presa no trânsito com as paradas dos ônibus”, desabafa a praticante de Yoga e atriz Luana Saggioro, que usa a bike como meio de transporte. 

Para o ativista Antonio Lacerda Miotto, que faz parte do movimento Bicicletada, que uma vez por mês ocupa as ruas da cidade de bicicleta, o problema do trânsito e da poluição de São Paulo exige ações do governo, mas também uma mudança de comportamento. “As pessoas são muito individualistas. O carro significa status e comodidade e é difícil abrir mão e mudar esta mentalidade para o bem-estar comum.”. 

O debate continua no ar. Em maio foi realizado na cidade o 1º Fórum Nossa São Paulo, em que foram discutidas várias idéias para os problemas da metrópole, entre eles, o trânsito e a qualidade do ar. Uma das idéias é a flexibilidade de horário de trabalho ou a opção de se trabalhar em casa. No dia 28 de maio, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente promoveu a campanha de Carona Solidária, a fim de conscientizar a população sobre a importância da carona para a redução, em curto prazo, dos congestionamentos e das emissões de poluentes.

Todos esses movimentos só confirmam que a sociedade já despertou para o problema e que agora tem de fazer a sua parte e cobrar das empresas e do governo a parte deles. O papel do praticante de Yoga é despertar para a questão e agir de acordo com princípios yóguicos. “A partir do momento em que estamos comprometidos com a mudança pessoal, naturalmente irradiaremos novas energias em nosso meio ambiente. Com a expansão de consciência que o Yoga nos traz, adquirimos maiores responsabilidades. Assim, se você se esforça para a sua purificação, na limpeza do seu corpo e mente, por que não se dedicar igualmente à defesa da terra, da água e do ar, elementos dos quais dependem a vida de todos os seres?”, questiona Goura Nataraj. 

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