Ao longo das pernas



Por: Julie Gudmestad

Algumas dicas fundamentais para conseguir um alongamento seguro dos isquiotibiai





Estava fora da cidade dando um workshop, quando um pouco antes de a aula começar uma aluna se aproximou e relatou, com uma expressão preocupada, uma dor incômoda em um de seus ísquios. Ela sentia dor ao sentar-se e também na realização de alguns asanas. Ela queria saber o que estava causando a dor e o que poderia fazer a respeito.
Infelizmente, essa queixa é comum por onde quer que eu vá pelo país. Em geral, o problema surge em praticantes experientes que possuem isquiotibiais muito flexíveis — geralmente mulheres. A dor persiste, com nenhuma ou pouca chance de melhora. Se os praticantes deixassem de fazer as posturas que provocam a dor, a prática deles ficaria bastante limitada. Muitas vezes as pessoas não buscam ajuda médica por acharem que se trata de um problema menor. Em vez disso, optam pelo “autotratamento”, praticando posturas que alonguem a área machucada.
Existem várias condições que podem causar dor nos ísquios, incluindo sérias lesões lombares e sacroilícas. Se a dor for intensa — em especial se associada a dor nas costas ou nas pernas —, o problema deverá ser avaliado por um especialista que indicará o tratamento específico. Entretanto, o mais provável é que isquiotibiais excessivamente alongados sejam os culpados. Se for o caso, há boas notícias: pode-se inverter o quadro mudando a prática de Yoga.

O ísquio se conecta ao...
O isquiotibial é um grande grupo de três músculos que se localizam na parte de trás da coxa. Dois desses músculos, o semitendinoso e o semimembranoso, se encontram na parte medial (de dentro) da coxa. O terceiro, o bíceps femoral, fica na porção lateral (de fora) da parte de trás da coxa. Todos os três músculos se originam na tuberosidade isquial — a protuberância óssea na parte inferior da pelve — e o bíceps femoral possui uma ligação extra na parte de trás do fêmur. Os isquiotibiais se inserem abaixo do joelho, nos dois ossos inferiores da perna, a tíbia e a fíbula.
Podemos sentir os isquiotibiais com as mãos — os músculos são os mais próximos da pele na parte de trás das coxas. É mais fácil ainda encontrar os tendões dos isquiotibiais atrás e acima dos joelhos. Para tanto, sente-se no chão e coloque o calcanhar à frente, deixando o joelho parcialmente flexionado. Empurre o calcanhar, como se tentasse levá-lo em direção ao tronco. Ao fazer isso, os tendões aparecem e fica fácil senti-los.
Os isquiotibiais possuem duas ações principais: a flexão do joelho e a extensão do quadril. Quando nos agachamos, o quadril se flexiona; ele fica em extensão quando ficamos em pé, alinhando as coxas com o tronco. Quando executamos o virabhadrasana III (postura do guerreiro III) com a perna direita de apoio e elevamos a perna esquerda para deixá-la paralela ao chão, o isquiotibial esquerdo gera a extensão do quadril. Quando deitamos de bruços, flexionamos os joelhos e elevamos os pés de forma a poder segurá-los com as mãos como em dhanurasana (postura do arco), os isquiotibiais geram a flexão dos joelhos. Para alongar os isquiotibiais, precisamos manter os joelhos estendidos e o quadril flexionado (em outras palavras, aproxime as coxas do abdome). Uma das posturas clássicas do Yoga que alongam os isquiotibiais é o uttanasana (postura do alongamento intenso para a frente), na qual os joelhos ficam estendidos, o tronco se inclina à frente e o abdome toca a parte anterior das coxas.

Tudo em excesso faz mal
Por que tantos praticantes desenvolvem essa dor incômoda e frustrante? Pense nas posturas de sua prática. Em um dia normal, você executa muitos asanas que alongam os isquiotibiais, como uttanasana eprasarita padottanasana (postura do alongamento intenso com os pés afastados) e muitas flexões sentadas? Possivelmente a resposta é sim. Muitos incluem essas posturas em suas práticas. Muitas outras posturas em pé também alongam os isquiotibiais, como o trikonasana (postura do triângulo) eparsvottanasana (postura do alongamento lateral intenso). E não podemos nos esquecer do adho mukha svanasana (postura do cachorro olhando para baixo). Se você pratica Ashtanga Yoga, Power Yoga ou qualquer outro estilo fluido de Yoga, provavelmente executa vários adho mukhas em cada prática. Todo esse alongamento pode deixar os isquiotibiais muito flexíveis e até alongados em excesso, em relação aos outros músculos da perna e do quadril.
Esse quadro piora quando não fazemos nada para fortalecer os isquiotibiais. Isso os deixa propensos a desenvolver microlesões (rupturas microscópicas) se eles forem submetidos a um enorme esforço, seja por alongamento ou contração. Eles não terão a integridade estrutural para sustentar a excessiva tensão exercida por um forte alongamento ou a compressão profunda exercida por uma forte contração e, como consequência, os tecidos se rompem.
Nunca vi um praticante causar uma enorme ruptura nos isquiotibiais na prática de Yoga. Esse tipo de lesão é mais comum em quem pratica atividades que exijam movimentos mais violentos dos isquiotibiais, como futebol, beisebol, futebol americano e levantamento de peso. As lesões ocasionadas no Yoga são rompimentos minúsculos em que os isquiotibiais se unem às tuberosidades isquiais. O corpo responde a essas lesões com dor e inflamação, o que inclui certo inchaço. Logo, é claro que é desconfortável sentar sobre os ísquios.

Manual da recuperação
A primeira coisa que os praticantes de Yoga com lesões nos isquiotibiais devem aprender é que nem sempre o alongamento é o mais adequado para partes doloridas ou lesionadas. Quando rompemos um tecido, incluindo músculos, tendões e ligamentos, o corpo começa a recuperá-lo costurando pequenas fibras de tecido conectivo transversalmente à área machucada. Quando alongamos a área lesionada, essas pequenas fibras podem se romper, interrompendo o processo de cicatrização e aumentando o tempo necessário para a recuperação. Na verdade, quando interrompemos continuamente o processo de cicatrização, o tecido pode nunca se recuperar completamente e a área lesionada pode ficar com dor e inflamação crônicas. Além disso, se a área vier a se recuperar, a ação contínua de romper e cicatrizar pode criar uma cicatriz no tecido que tende a receber menos fluxo sanguíneo, passando a ser menos flexível que um tecido saudável. Isso pode predispor a novas lesões.
Agora fica claro por que minha primeira recomendação aos praticantes que estão com lesões nos isquiotibiais é a de parar de alongar esses músculos. Posturas com inclinações à frente sentadas ou em pé devem ser totalmente evitadas durante o processo de recuperação. Algumas posturas que normalmente puxam os isquiotibiais podem ser modificadas para que possam ser inclusas na prática sem machucar ainda mais os isquiotibiais. Por exemplo, em trikonasana, não desça o tronco ao seu máximo; em vez disso, apoie a mão sobre um bloquinho ou uma cadeira. Uma modificação similar pode ser feita emparsvottanasana com o uso de dois bloquinhos.
No supta padangusthasana (postura deitada segurando o dedo do pé), não segure no dedão. Em vez disso, use um cinto para segurar o pé e não o puxe com força. No utthita hasta padangusthasana (postura estendida com a mão no dedo do pé), apoie o pé em um móvel baixo de forma a não sentir nenhum estiramento na parte posterior da coxa. Em ambas as posturas, foque no fortalecimento das pernas e alongamento da coluna e não no alongamento dos isquiotibiais.

Paciência ao cubo
Assim que os isquiotibiais não sofram mais nenhum alongamento voltando a se lesionar, o processo de recuperação se inicia. Infelizmente, eles demoram a se recuperar. Dê a eles o tempo de várias semanas de descanso pelo menos. Esse processo é tão gradual e lento que não percebemos uma melhora a cada dia. Mas após algumas semanas notará que a dor e o inchaço diminuíram.
Assim que perceber que os isquiotibiais melhoraram e estão menos sensíveis ao movimento, é uma boa ideia acrescentar alguns exercícios suaves de fortalecimento ao tratamento de recuperação. Calce sapatos bem pesados e deite-se de costas. Mantenha as coxas no chão e flexione o joelho, elevando o pé do chão. Isso faz com que o isquiotibial se contraia enquanto flexiona o joelho. Não faça mais que dez repetições por série na primeira semana. Gradualmente, aumente para três séries de dez. Faça três sessões por semana. Cerca de meio quilo é um bom peso para o exercício. Porém, se mesmo esse peso causar desconforto, é porque ainda não está pronto para começar o trabalho de fortalecimento. Espere mais uma ou duas semanas e tente de novo. Lembre-se de que paciência deve ser seu mantra; algumas vezes os isquiotibiais podem levar de três a seis meses para uma total recuperação.
O trabalho de fortalecimento é importante para a recuperação não somente porque faz aumentar a circulação, que promove a cicatrização, mas também porque um tecido muscular forte e sadio é menos propenso a rupturas futuras. Portanto, esteja você se recuperando ou querendo se prevenir contra lesões, é importante incluir asanas que fortaleçam a região, tais como virabhadrasana I e II e setu bandha sarvangasana (postura da ponte). Se quiser complementar o Yoga com outras atividades, a corrida e a caminhada são boas para fortalecer os isquiotibiais, além de suprir o tecido muscular com sangue novo.
Em geral, é melhor alongar os isquiotibiais somente após eles terem sido aquecidos por meio de uma caminhada ou uma série de posturas ativas que não exijam muito  alongamento desses músculos. Inclua em sua prática uma ampla variedade de posturas, e não coloque o foco no alongamento dos isquiotibiais. Não seja agressivo com o alongamento desses músculos. A dor nas posturas é um sinal de que lesões microscópicas estão sendo causadas aos músculos. Aprenda a ser paciente e aceite a sensação de alongamento em vez de dor. Os isquiotibiais são fundamentais para a maioria das posturas de Yoga — e para o resto da vida. Portanto, cuide deles!
Julie Gudmestad é fisioterapeuta e professora certificada de Iyengar em Portland, Oregon. www.gudmestadyoga.com

NOSSO CONSULTOR DIZ: Por ser um grupo muscular pertencente à grande cadeia posterior, essencial para nos manter em pé, os isquiotibiais costumam manter um tônus relativamente elevado, tendendo ao encurtamento. Por isso é importante alongá-los e nas práticas de Yoga há infindáveis posturas com esta finalidade, tais como paschimattanasana (postura do alongamento posterior) e halasana (postura do arado), além das mencionadas no texto. O problema surge quando um grupo muscular é exigido em excesso, principalmente havendo desequilíbrios entre a força e a flexibilidade de um músculo ou entre grupos antagonistas. As sugestões do artigo para recuperar isquiotibiais lesionados são importantes e devem respeitar o princípio da progressividade, por exemplo, iniciar o trabalho de fortalecimento com caminhadas suaves, depois mais intensas até chegar à corrida. Sugestões à parte, nas fases iniciais do processo de recuperação a aplicação de gelo e o uso de recursos anti-inflamatórios são de grande valia. Além dos medicamentos alopáticos (que devem ser prescritos por um médico), intervenções como acupuntura e eletroestimulação apresentam grandes evidências de eficácia.

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