Impermanência é a verdade da vida. Abraçá-la nas nossas atividades diárias podem ser a chave para o alívio diário




Convivendo com uma família grande, eu geralmente me sinto como os monges tibetanos que uma vez vi fazendo uma mandala de areia. Por meses, eles se ajoelham no chão, arrumando grão por grão, e assim que a linda criação estava pronta, eles destruíam alegremente celebrando a impermanência. Mesmo que eu não crie mandalas cerimoniais, eu lavo louça. E eu volto para a pia depois, e lá está a louça de novo. Eu ponho roupas na máquina e, quase instantaneamente o cesto de roupas sujas está cheio de novo! Até o meu tapetinho de Yoga é um lembrete da impermanência. Só nessa manhã, ele estava ali aberto no chão, repleto dos meus movimentos, e agora está lá enrolado e encostado na parede.
Como Buda disse, a impermanência é a natureza da condição humana. Essa é uma verdade que conhecemos na mente, mas que tendemos a resistir no coração.

Mudanças acontecem ao nosso redor o tempo todo, mesmo que sonhemos com o previsível, o consistente.
Queremos a reafirmação que vem das coisas que continuam iguais. Ficamos chocados quando pessoas morrem, mesmo que a morte seja a parte mais previsível da vida.

Podemos até olhar para o nosso mat e assistir a esse padrão. Geralmente estamos apegados a um processo sem fim de “melhora” nos nossos asanas. Eles realmente melhoram rápido no início – nessa fase, estamos em lua de mel com as novas descobertas; crescemos muito em habilidade e entendimento. Mas depois de alguns anos, nossas posturas mudam muito menos. À medida que nossa prática amadurece, o foco vai para a consistência, entendimento mais profundo e pequenos avanços. Isso não quer dizer que não continuamos a melhorar, mas a evolução é mais sutil. Muitas vezes, não conseguimos mais fazer algumas posturas por causa da idade ou de lesões. Ficamos surpresas quando asanas bem familiares tornam-se impossíveis.

Qual a lição aqui? Experimentar melhoras e evoluções notáveis em uma base contínua, isso é uma fase temporária. Perceber isso nos coloca em contato com a verdade da impermanência; ficar no passado cria sofrimento na gente.
Na Índia, o berço do Yoga, há ainda um modelo hindu social que revela a mudança que experimentamos continuamente. Chamados de Ashramas, ou Estágios da Vida, define quatro períodos distintos da vida, nos quais as pessoas podem e devem fazer certas coisas. O primeiro, brahmacharya (conduta brâmica) é o estágio do estudante, durante o qual a pessoa aprende sobre si e o mundo; o segundo, grihastha (dono de casa), é o estágio da família e obrigações sociais. Os últimos dois focam na renúncia. Durante o terceiro, vanaprastha (morador da floresta), a pessoa está mais livre para começar uma vida contemplativa. E durante o estágio quatro, samnyasa (renúncia), a pessoa vai mais fundo, entregando todas as coisas mundanas e vivendo como um simples mendigo.

A beleza desse modelo é o conhecimento inerente da impermanência de cada estágio da vida. Há sabedoria nessa consciência—não só por que nossas vidas passam por mudanças óbvias e inevitáveis mas, mais importante, porque quando aceitamos esse fato como verdade, sofremos muito menos.

Sem a consciência da impermanência, tipicamente caímos em um desses dois padrões: negação ou depressão. Embora não possamos escapar da impermanência da vida e do fato de que vamos morrer, nós negamos desesperadamente essas verdades; nos agarramos à nossa juventude ou nos cercamos de bens materiais.
Pintamos o cabelo e aplicamos botox na testa. Ou, se negação não cabe na nossa personalidade, podemos inconscientemente fugir desses problemas com depressão ou nos retirando da vida.

O Yoga oferece uma alternativa para essas duas tendências. É abraçar a verdade poderosa dita por todos os grandes mestres: o poder de viver no imutável e eterno presente. O primeiro verso do Yoga Sutra de Patañjali diz: "Atha yoga anushasanam,"que quer dizer: "Agora é uma exposição sobre Yoga”. O poder desse verso é geralmente perdido quando leitores interpretam como uma introdução de pequeno valor. Em minha visão. Patañjali não usa palavras desnecessárias. Essa primeira palavra é a chave. O verso quer revelar a importância do estudo do Yoga exatamente agora. Isso nos estimula a focar no que está acontecendo com o corpo, a mente, a respiração e as emoções neste momento. Agora é uma palavra que é poderosa e suficiente por si como estudo de uma vida, um tipo de mantra. A habilidade de responder ao agora, ao viver o agora e a desfrutar cada momento precioso sem pressa é a essência da prática espiritual.

A filosofia do Yoga como um todo é predicada na noção de que a identificação com o aspecto mutável e temporário leva ao sofrimento, enquanto o reconhecimento do eterno e imutável Self leva à paz. Na vida diária, esses conceitos parecem interessantes em seu melhor e esotéricos em seu pior. Mas lembrar do eterno em conversas diárias, tarefas e ações é realmente a chave para transformar nossas vidas. O que dá à vida o seu nectar é a habilidade de enterrar o passado e simultaneamente saber que não importa mesmo. Em outras palavras, podemos viver o nosso máximo quando reconhecemos que nosso sofrimento é baseado não no fato da impermanência, mas em nossa reação à impermanência.

Quando esquecemos a verdade da impermanência, esquecemos a verdade da vida. A prática espiritual é lembrar dessa verdade e abraçar. No passado, eu ficava sempre lavando a roupa para que finalmente estivesse tudo feito. Claro, nunca estava tudo feito. Agora quando eu olho o cesto de roupa suja, cheio ou vazio, tento vê-lo como uma expressão do que a vida é: mover-se por estágios diferentes, render-se à impermanência e me lembrar de abraçar tudo isso.
A norte-americana Judith Hanson Lasater, Ph.D., é terapeuta física e ensina Yoga pelo mundo desde 1971. www.judithlasater.com




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