A plenitude está a seis passos
Por: Pedro Kupfer
Mesmo se você cultivar só um destes seis valores, os demais virão naturalmente
A Grande Guerra se aproxima e Dhritarashtra, o rei cego, patriarca dos Kurus, não pode dormir. O remorso, a dúvida e o medo da morte estão corroendo seu coração. Ele está preocupado com o destino dos seus filhos, que enfrentarão os maiores guerreiros daquela era. Estes são os Pandavas, seus próprios primos, que lutarão na guerra do épico Mahabhárata. Insone, o rei invoca o grande yogi Sanatkumara para que esclareça suas dúvidas. O sábio irá instruí-lo sobre a natureza da vida e da morte, a liberdade e a iluminação. No entanto, as notícias que o rei recebe não são boas, pois não validam sua posição: ele e seus filhos precisam deixar de atropelar a justiça ou pagarão caro por isso.
O rei não aprenderá nada com essa lição: sua cegueira não é somente física. Mesmo assim, o sábio o instrui pacientemente. Uma das coisas mais lindas deste diálogo é a prática que o yogi indica para o rei. Essa prática consiste em cultivar seis valores para ter uma vida feliz:
O rei não aprenderá nada com essa lição: sua cegueira não é somente física. Mesmo assim, o sábio o instrui pacientemente. Uma das coisas mais lindas deste diálogo é a prática que o yogi indica para o rei. Essa prática consiste em cultivar seis valores para ter uma vida feliz:
1) Satyam, falar a verdade.
2) Arjavan, retidão de conduta, sinceridade.
3) Hrih, simplicidade, modéstia, humildade.
4) Dama, autocontrole, disciplina, tranqüilidade.
5) Shauchan, pureza, limpeza externa e interna.
6) Vidya, autoconhecimento.
Como é impossível traduzir cada palavra sânscrita usando uma única palavra em português, nos aproximamos desses valores com exemplos.
1) Satyam significa real. Satyam define a pessoa honesta, verdadeira e digna. Existem muitas formas de mentir; a pior delas é mentir para si próprio. Mentir é mentir para si mesmo, é roubar a própria dignidade. Muitas vezes ficamos escravos da necessidade de reconhecimento público. Sendo verdadeiros, estando em paz conosco, não teremos necessidade do reconhecimento de outrem.
2) Arjanam é simplicidade, retidão. Devemos ser responsáveis por nossas palavras e atitudes. Arjavam é fazer coincidir nossas intenções, palavras e ações com aquilo que é certo: o dharma, a justiça universal. Penso aquilo que falo; Falo aquilo que faço. Isso é retidão.
3) Hrih é simplicidade, paz. Uma pessoa simples e pacífica vive uma vida com o mínimo impacto de violência sobre o mundo e sobre os demais. Isso requer uma capacidade que não deve ser interpretada como fraqueza, mas como pura força. A pessoa realmente forte não fere os demais. Atropelar a não-violência é atropelar a dignidade humana. Cultive a gentileza. Deixe os outros vencerem alguma vez. Não se leve tão a sério.
4) Dama é a capacidade de dizer não, de não ceder às pressões internas ou externas. Se você recebe um convite para discutir, é desejável manter a temperança para ficar à margem dessa eventual tormenta. Se estiver com raiva, saiba que não há nada de errado com ela, mas tampouco há nada de certo. O autocontrole é dama. Faça os outros felizes. Não julgue tanto.
5) Shauchan é pureza. Há duas formas de shauchan: uma externa e uma interna. A externa diz respeito ao ambiente e ao próprio corpo. Na Índia, diz-se que Lakshmi, “aquela que brilha”, a deusa da prosperidade e da beleza, visita as casas cedo pela manhã, mas só entra nas que estiverem arrumadas. Se uma criança reclamar por ter de sair da cama para a mãe limpar, ela explica que Lakshmi não vai entrar se a casa não estiver limpa. Assim, as crianças acordam cedo para dar as boas vindas à deusa. Faça como elas: acorde cedo. Você receberá a visita de Lakshmi diariamente. Mas, para que ela entre no seu lar, as pretensões e falsos conceitos sobre si mesmo devem antes sair. Internamente, shauchan significa ser capaz de se livrar da culpa, da tristeza e do medo. Você pode limpar-se por meio de um mantra ou fazendo uma prece, procurando compreender e aceitar as diferentes situações. Pode também cultivar o pratipaksha bhavana, o sentimento oposto do que lhe incomoda.
6) Vidya é conhecimento. Esse é o valor mais importante. Consiste em compreender que nada do que acontece está fora de lugar, e que o mundo é perfeito e justo dentro do que ele é, e que nós somos perfeitos também, dentro das nossas imperfeições. Compreendendo a verdade e a justiça que subjazem todas as situações, o yogi confia na harmonia da criação. Dessa forma ele vence o kalachakra, o ciclo interminável de nascimentos e mortes. Essa roda, que gira constantemente, é chamada samsara. Conhecimento é viver feliz no samsara. Viver feliz é sentir a roda girando e ficar centrado no eixo, onde não há tanta instabilidade.
Essa prática nos liberta das emoções indesejáveis. Mesmo se você não conseguir cultivar todos esses valores, deveria concentrar-se em seguir pelo menos um deles. Cultivando somente um, os demais virão naturalmente. Se você, por exemplo, estabelecer o compromisso da retidão, os outros valores irão lhe acompanhar. Aplicando-se esses valores, a vida inteira pode mudar. Na grande guerra, o velho rei e seus filhos são derrotados. Para nós, está em nossas mãos a decisão: ou nos deixamos vencer por nossas fraquezas ou vivemos em plenitude e harmonia. Namastê!
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