Esqueça os exercícios abdominais
Músculos do abdome saudáveis são fortes, não duros.
Você já parou no espelho, sugou o abdome e pensou: “Queria ser assim o tempo todo”? A resposta da maioria das pessoas provavelmente é sim. Publicidades e revistas femininas vendem que o abdome reto é a quintessência de saúde e beleza. Barrigas duras são usadas para promover tudo, desde lingerie a cereais.
Mas se você anseia pela barriga tanquinho, considera que tenha que se sacrificar: essa aparência pode custar sua flexibilidade e liberdade de movimento. Exagerar nos exercícios abdominais pode levar a uma retificação da curva lombar, criando uma estrutura da coluna fraca. “Estamos começando a ver também problemas de corcunda por causa de abdominais em excesso,” diz o especialista em biomecânica e cinesiologia Michael Yessis, Ph.D., autor de Kinesiology of Exercise (sem tradução no Brasil).
A obsessão da sociedade com abdomes retos tem uma consequência psicológica também. “Queremos controlar nossos sentimentos, então endurecemos o abdome, tentando “manter a compostura”, diz a professora de Yoga e fisioterapeuta Judith Lasater, autora de Living Your Yoga (sem tradução no Brasil). Abdomes flácidos parecem vulneráveis; abdome de aço não. Mas a tradicional postura militar de atenção – peito pra fora, barriga pra dentro – não apenas deixa os soldados parecerem durões e invulnerável, também frustra sua independência. Soldados devem seguir ordens, não intuição. Yogis pode ser guerreiros também, mas nós queremos ser blindados. A tensão interfere quando tentamos acessar a profunda sabedoria que está no abdome. Como yogis, necessitamos de um abdome flexível onde podemos sentir a quietude de nosso ser.
Abdomes saudáveis
“Somos uma cultura que tem medo da barriga,” lamenta Lasater. Em nossa obsessão societal com o minimalismo abdominal, frequentemente perdemos de vista a verdadeira natureza dessa parte crucial do corpo. Músculos abdominais assistem a respiração, alinha a pelve, flexiona e gira o tronco, mantém o tronco ereto, apoia a coluna lombar e segura os órgãos de digestão. Mesmo assim, a malhação obcecada por “tanquinhos” está parcialmente certa; músculos do core fortes e tonificados mantém uma boa saúde. Mas isso não significa que deveríamos cultivar um espasmo permanente no umbigo, segurar a respiração e ficar como soldados em um desfile militar. Olhe para Buda, talvez o melhor yogi conhecido do mundo. Em muitas pinturas e estátuas, ele não tem “abdome de aço”. Yogis sabem que abdomes cronicamente duros não são nem um pouco mais saudáveis do que isquiotibiais cronicamente encurtados. Yoga pode ajudá-lo a desenvolver o equilíbrio perfeito de força, flexibilidade, relaxamento e atenção.
Professores diferentes de Yoga abordam exercícios abdominais de maneiras diferentes. Alguns abordam a barriga primariamente por exploração sensorial, ajudando-nos a nos tornar sensíveis a todas as camadas de músculos e órgãos; outros usam posturas em pé, empregando os braços e pernas para fortalecer o abdome em sua função como estabilizadores dos membros. Outros ainda usam o movimento, enfatizando que o valor dos músculos abdominais está na habilidade de mover e mudar de forma. Mas todos os professores de Yoga com quem conversei enfatizaram quatro coisas em comun: (1) O movimento nasce do centro de gravidade do corpo logo abaixo do umbigo; (2) asanas treinam esse core para agir como uma base estável e fonte fluida de movimento; (3) músculos abdominais devem ser tonificados, mas não tensos; (4) o primeiro passo para a boa forma do abdome requer aprender a sentir o core, ficando familiar com ele de dentro pra fora.
Topografia abdominal
Um conhecimento básico da anatomia abdominal pode nos ajudar a abordar o trabalho do core com um mapa mental mais acurado. Então vamos descascar as camadas e ver o que está por baixo da pele. A pele abdominal difere das outras áreas do corpo. Há um tecido subcutâneo que ama reservar gordura. Pode estocar alguns centímetros. Esses troncos sem gordura que você vê em publicidades são provavelmente de menos de 10 por cento da população. Você precisa ter uma pele bem fina para mostrar os músculos, explica Richard Cotton, porta-voz do Conselho Americano em Exercício, e para isso é necessário mais do que exercícios assíduos; é preciso a genética certa.
Você precisa ser jovem também. Uma vez que células de gordura se acumulam em volta do tronco, elas não desaparecem. Você pode passar fome; elas encolherão. Mas sempre estarão lá, esforçando-se para inchar. Muita gordura abdominal não é saudável. Mas se esforçar bastante para eliminar gordura também pode causar problemas sérios. Mulheres pode sofrer de diminuição de estrógeno, fraqueza nos ossos e fraturas. “Alguns milímetros de gordura em cima desses músculos não importa,” diz Richard. A maioria dos adultos, incluindo maratonistas e pessoas com ótima saúde, carregam um ligeiro pneu em volta da cintura.
Em vez de ficar obcecado com a gordura, é melhor focar mais fundo. Bem abaixo da pele, uma parede robusta de quatro músculos emparelhados se estendem em nossos órgãos internos. Na superfície, o reto abdominal se estende ao longo da frente, do osso púbico ao esterno. Do outro lado, um músculo fino mas poderoso, chamado oblíquo externo, atravessa diagonalmente das costelas ao reto, formando um “V” quando visto de frente. Indo perpendicularmente aos oblíquos externos, os oblíquos internos ficam bem abaixo. Esses dois pares de músculos trabalham em conjunto, girando o tronco e flexionando diagonalmente. A camada mais profunda de músculo abdominal, o transverso, passa horizontalmente, abraçando o tronco com um espartilho. Você flexiona esse músculo para encolher a barriga. A fibrosa bainha de três camadas formada pelo transverso e os oblíquos provê um apoio forte e expansível; ela protege as vísceras e provê compressão que ajuda eliminação e um abrigo flexível o bastante para a respiração diafragmática.
Você pode exercitar todos esses músculos com Yoga. Por exemplo, quando levanta as pernas e tronco emnavasana (postura do barco), você contrai os reto abdominal, levando o esterno em direção ao osso púbico. Manter posturas como o navasana ajuda a fortalecer esse músculo isometricamente, tonificando o abdome sem comprometer a flexibilidade. Você ativa a porção superior do reto abdominal quando flexiona o tronco para frente enquanto mantém as pernas estáveis, como empaschimottanasana (postura da pinça). Reciprocamente, você ativa a porça mais baixa desse músculo levantando as pernas enquanto manter o tronco estável, como urdhva prasarita padasana (postura estendida dos pés para cima). Para manter o músculo não apenas forte, mas flexível, é importante combinar exercícios de contração com posturas complementares de alongamento como setu bandha sarvangasana(postura da ponte) ou urdhva dhanurasana(postura do arco elevado). Um reto abdominal responsivo e forte protegerá sua lombar e permitirá sentar-se com facilidade. Mas não exagere. Trabalhar demais esse músculo pode não apenas comprometer as extensões de coluna, mas pode também encurtar o tronco e retificar a curva natural da coluna lombar. Exercícios de rotação como jathara parivartanasana (postura da torção do abdome) ativa os oblíquos interno e externo, músculos chaves para desenvolver uma parede abdominal firme. Esses músculos também estabilizam a coluna enquanto gira o tronco e a pelve. Por exemplo, quando chuta uma bola, os oblíquos rodam sua pelve. Quando joga uma bola, os oblíquos rodam os ombros. Na prática de asana você pode exercitar os oblíquos tanto mantendo os ombros estáveis enquanto gira o tronco, como em jathara parivartanasana, ou girar os ombros enquanto mantém as pernas paradas, como em parivrtta trikonasana (postura triângulo torcido). Esses músculos também estabilizam as vértebras para manter o alinhamento da coluna quando levanta algo pesado. Quando bem tonificadas, as fibras musculares diagonais dos oblíquos interno e externo formam uma rede poderosa e entrelaçada que envolve o abdome. Quando ativa os oblíquos no asana, imagine-se puxando a fita de um espartilho, começando das laterais para achatar a frente.
O tranverso abdominal também tem um papel importante em manter a parede abdominal tonificada. Você ativa esse músculo quando tosse, espirra ou exala forçadamente. Diferente dos outros três músculos, o transverso não movimenta a coluna. Talvez o meio mais eficaz de trabalhá-lo implica usar a respiração. Práticas de pranayama envolvendo expirações forçadas, como kapalabhati e bhastrika, fornecem um trabalho excelente do transverso.
Para sentir esse músculo contrair, fique de pé com os pés separados à largura dos ombros, flexione levemente os joelhos, e coloque os dedos nas laterais, logo abaixo da caixa torácica. Agora tussa e sinta os músculos embaixo dos dedos contraindo forçadamente. Para contrair o músculo mais fortemente, tente isso: coloque as mãos nas coxas. Respire fundo, então expire completamente enquanto contrai o abdome para expelir o último restinho de ar dos pulmões. Então, sem inspirar ar novo, comece a contar alto: um, dois, três... Você vai experenciar seu transverso apertando a cintura, como um cinto. Antes que a falta de oxigênio se torne desconfortável, relaxe o abdome e permita que o ar entre lentamente. Esse exercício clássico do Yoga chama-se uddiyana bandha. Quando começar a dominá-lo, tente outros exercícios tradicionais como Agni sara dhauti e nauli, que são usados para massagear os órgãos abdominais.
Espaço para respirar
Pessoas que trabalham com a respiração – cantores e músicas de instrumentos de sopro, por exemplo – sabem que está conectado com a barriga. Seu diafragma fica na base dos pulmões, diretamente acima do fígado e estômago. Quando o diafragma contrai, tira esses órgãos de seu caminho, empurrando sua barriga levemente para fora. Se você respirar primariamente usando os músculos da caixa torácica, sem tirar vantagem do poder do diafragma, você está limitando a respiração a grupos suplementares de músculo muito fracos e ineficientes para encher os pulmões completamente. Mas se os músculos abdominais não soltam, seu diafragma não pode descer completamente. É por isso que yogis equilibram força abdominal com flexibilidade.
Tenha em mente que respiração profunda, diafragmática não implica empurrar a barriga para fora deliberadamente. Respiração abdominal completa apenas requer uma alternância natural entre engajamento e liberação. Para se certificar de uma respiração diafragmática profunda, primeiro engaje o abdome em uma expiração completa, então permita que os pulmões se encham naturalmente, relaxando o abdome, mas não empurrando o pra fora.
A interação fluida dos músculos abdominais e pulmões fornecem um excelente foco para uma meditação que você pode usar para completar o trabalho do abdome. Deite-se de costas em savasana (postura do cadáver), respire lentamente e deliberadamente, sentindo a força do abdome interno enquanto os músculos oblíquos e transverso comprimem para expelir o ar dos pulmões completamente. Aproveite o fluxo de oxigênio que enche o peito enquanto esses músculos se soltam, criando espaço para o prana(energia vital) correr para seu coração como a água fluindo. Depois de alguns minutos, permita que seu respiração retome seu ritmo natural. Observe-a sem criticismo ou esforço. Imagine a cavidade abdominal como o recipiente fluido de sua mais profunda sabedoria e sinta a energia no umbigo irradiar pelo corpo.
Centro sagrado
Nosso centro de gravidade fica logo abaixo do umbigo, um ponto que muitos professores de Yoga chamam de “centro de poder”. Fonte de nossa vitalidade, o abdome é uma espaço sagrado em nossos corpos, então faríamos bem mudar do criticismo de como parecemos para respeitar o que sentimos. Ana Forrest, proprietária e professora do Forrest Yoga Circle, em Los Angeles, diz que ela observa que quando as pessoas começam a senti e se mover do tronco inferior, com o tempo elas experimentam uma explosão na criatividade e sexualidade.
Ao longo das tradições de cura e místicas do mundo, a barriga é vista como um importante centro de energia e consciência. Tantra Yoga às vezes representa o umbigo como a casa de rajas ou energia solar. Na prática tântrica, o yogi desperta rajas no abdome usando a respiração, ajudando a criar um corpo divino dotado de poderes paranormais. Você provavelmente notou que muitos dos grandes adeptos espirituais da Índia mostram barrigas salientes. As pessoas acreditam que esses tremendos abdomes são cheios de prana. Por isso, artistas indianos geralmente representam suas divindades com uma barriguinha.
Na China, a suave arte do tai chi enfatiza o abdome inferior como um reservatório de energia. O professor de tai chi Kenneth Cohen explica que é possível fortalecer o abdome aprendendo como compactar qi(prana) na barriga. “Do ponto de vista chinês, o abdome é considerado o dan tian ou “campo do elixir”, onde você planta as sementes de vida longa e sabedoria,” explica Kenneth.
Se você é cético em relação à essa anatomia esotérica, considere o trabalho do médico Michael Gershon. “Você possui mais células nervosas no intestino do que no restante do sistema nervoso periférico,” afimar Michael. Gershon acredita que nossos pensamentos e emoções são influenciados pelo intestino.
Michael chegou a essa heterodoxa conclusão por uma meticulosa pesquisa em seotonina, um químico cerebral importante que também atua no intestino. Operando independentemente do cérebro, um sistema nervoso enorme que o médico chama de “segundo cérebro” trabalha silenciosamente no abdome. Michael explica que esse cérebro intestinal, propriamente conhecido como sistema nervoso entérico, não “pensa” no sentido cognitivo – mas constantemente afeta nossos pensamentos. “Se não há suavidade e bençao indo para o cérebro na cabeça vindo daquele no intestino, o cérebro na cabeça não consegue funcionar,” diz Gershon.
Então, da próxima vez que criticamente olhar seu abdome, talvez considere reverenciar com um Namaste seu centro de poder e morada de seus instintos. E você também pode ajudar uma benção abdominal que o médico recomenda empregando uma abordagem integral ao trabalho abdominal, combinando consciência somática e energética com asana e pranayama.
Fernando Pagés Ruiz escreve sobre saúde e boa forma.
Comentários