Abaixo da superfície


Por: Doug Keller

Sem dúvida, um abdome tonificado é ótimo para desfilar na praia. Mas, quando aprendemos a ativar os músculos mais profundos da região, percebemos que os benefícios vão muito além da pele.





Apenas os velhos exercícios abdominais não são capazes de fazer a barri­guinha desaparecer. Na verdade, eles podem dar o efeito contrário!

Para conseguir um abdome sarado e saudável, é preciso trabalhar um grupo de músculos chamado de core. O core inclui mais do que músculos abdominais. A maioria dos exercícios que foca os abdominais fortalece os músculos ao redor do abdome de tal forma que impede a tonificação abdominal e, se feitos sem consci­ência, podem “empurrar” a barriga para fora e até causar dor nas costas.

Em geral é o psoas que o fará perder a guerra contra a barriguinha. Esse músculo fica bem no centro do core, é muito solicitado nos exercícios abdominais. Tiramos maior proveito do exercício para o core quando aprendemos as ações que tonificam o abdome e que treinam um psoas fortalecido.


O músculo profundo
O psoas é o mais profundo e um dos maiores músculos do corpo. De cada lado da coluna lombar, ele se liga às vértebras e se prolonga por sobre a articulação do quadril, para se ligar ao fêmur.

O psoas dá suporte às curvas da coluna. É tão profundo que, quando deita­mos, os órgãos abdominais literalmente sentam sobre ele, o que explica por queo psoas tem tanto efeito na aparência do abdome. É quase impossível não contraí-lo quando elevamos os membros in­feriores em direção à coluna. Ou aprendemos a relaxá-lo e alongá-lo ou vira um problema.


Repensando o core
Ao redor do psoas fica o core – três camadas de músculo que fornecem controle e suporte para os movimentos da coluna.

A camada externa consiste em abdominais que movem o tronco à frente, e fazem as torções. O reto abdominal dá a aparência de “tanquinho” e é trabalhado nos exercícios mais comuns. Ele é utilizado em posturas como o ardha navasana (meia postura do barco) e em posturas de equilíbrio sobre os braços como o bakasana (postura do corvo).
Na camada mais superficial estão os oblíquos interno e ex­terno. A função principal deles é girar o tronco e incliná-lo para as laterais. Também têm uma função protetora nas tor­ções de assegurar que a coluna gire por igual, evitando lesões nos discos. Podemos observar o trabalho deles em posturas como omarichyasana III (postura do sábio Marichi III), ardha matsyendrasana (meia postura do senhor dos peixes) e utthita trikonasana (postura do triângulo estendido).

A camada do meio tem a função de dar suporte à coluna envolvendo-a, principalmente quando seguramos algo pesado. Nela reside o transverso abdominal, que cobre todo o abdome, do esterno até o osso púbico. Nós o usamos quando fazemos a respiração Ujjayi (vitoriosa) e ativamos os bandhas durante uma postura desafiadora. Podemos perceber sua ação quando realizamos chaturanga dandasana (postura dos quatro apoios).

E temos a camada mais profunda, com pequenos músculos que ajustam os movimentos das vértebras e pelo psoas.


O poder do psoas
O perigo de exercícios abdominais reside no fato de que se o transverso abdominal for fraco, o psoas pressionará a coluna. Um exemplo disso é a elevação das pernas. O transverso abdominal deve manter a coluna estável, enquanto o psoas e os músculos da coxa sobem e descem as pernas. O esforço em manter a colu­na em uma curvatura neutra é o que faz trabalhar o abdome. O transverso abdominal se contrai para evitar que o psoas puxe a coluna formando um arco exagerado na região lombar. O exer­cício basicamente coloca os músculos do core contra o psoas. O problema é que isso exerce uma pressão sobre a lombar, arquean­do-a em excesso e podendo levar a lesões.

O fisioterapeuta Leon Chaitow, de Londres, diz que quando praticamos abdominais levantando o tronco do solo, o psoas comprime os discos entre as vértebras L5 e S1 (onde a lombar encontra o sacro) com uma força de 110 quilos!
A boa notícia é que é possível trabalhar o core sem focar no psoas. Isso significa um trabalho mais bem-feito. É possível desenvolver a força no core sem causar tensão na postura por meio de duas técnicas.


O cordão e o zíper
Ao localizar a ação do transverso abdominal no exercício se­guinte, é possível sentir o apoio que dá para a coluna e o re­laxamento que dá ao psoas, e aplicar essa ação para qualquer trabalho com o core.

Deite-se de costas com as pernas estendidas, afastadas na largura do quadril, joelhos e dedos para o teto. Coloque as pontas dos dedos nas extremidades anteriores do quadril (es­pinhas ilíacas anteriores). Com as pernas estendidas e firmes, ative ambas as coxas ao mesmo tempo como se estivesse tentan­do levantá-las do chão. Mas não tire os pés do chão, para não correr o risco de machucar as costas.

Você sentirá uma firmeza no abdome, no espaço entre as es­pinhas ilíacas, que é o resultado da ativação do transverso abdo­minal para dar apoio enquanto o psoas trabalha para levantar as pernas. A ativação do transverso abdominal dessa forma é como apertar o cordão em um moletom: afina a cintura, puxando as es­pinhas ilíacas levemente uma em direção à outra. Perceba também que os ísquios se movem para trás e se afastam, o arco na lombar aumenta ligeiramente, e as coxas giram sem esforço para dentro.

Para dar ao transverso abdominal o apoio necessário, precisamos ativar o músculo reto abdominal e controlar a inclinação da pelve. O reto abdominal regula a inclinação da pelve pela sua ligação no osso púbico. Para ativá-lo, leve a parte abaixo do umbigo um pouco em direção à coluna e ao coração, como se estivesse fechando o zíper de uma calça apertada. Sinta o cóccix se projetando.


Core consciente
Estas duas ações básicas, puxar o “cordão do moletom” e fechar o “zíper da calça”, nos permitem trabalhar transversalmente (por meio do transverso abdominal) e longitudinalmente (por meio do reto abdominal). Essa força combinada traz integração para as camadas de músculos abdominais, permitindo que a força do psoas seja focada em mover as pernas.

A real força do core é desenvolvida por meio de uma consciên­cia dessas duas ações. Em última análise, o fortalecimento do core é resultado do trabalho em conjunto dos abdominais e do psoas.

A sequência trabalha os abdominais enquanto foca no alongamento do psoas, controlando a tendência que este tem em puxar a lombar. Uma vez que encontre­mos esse equilíbrio na prática de Yoga, nem pensa­remos em colocar abdominais em nossa rotina para desfilar aquele tanquinho na praia!
Doug Keller estudou no Siddha Yoga Ashram em Ganeshpuri, Índia, por quase uma década. Para saber mais, visite: doyoga.com.



Supta padangusthasana (postura deitada segurando o dedo do pé)
supta padangustasana irá tonificar os músculos abdominais e alongar o psoas.
Deite-se de costas com a perna esquerda estendida. Use uma cinta para segurar o pé direito e eleve a perna. Antes de mover a perna direita mais perto do tronco, incline a pelve para a frente ligeiramente para criar a concavidade da lombar: trabalhe a perna esquerda como se estivesse tentando levantá-la, firmando o transverso abdominal e diminuindo o espaço entre as porções ilíacas do quadril. Sinta a perna esquerda girar para dentro e o arco na lombar aumentar um pouco.
Puxe o alto do abdome para dentro e para cima para ativar o reto abdominal e pressione o dedão do pé para fora. Se a perna esquerda girar para fora e a lombar tocar o chão, o psoas estará encurtado. Mantenha essas ações de alongamento enquanto leva a perna direita para perto do tronco. Mantenha a posição por dez respirações ou mais, permanecendo firme, sem tensão. Repita para o outro lado.



2 Inclinação de tronco
Maximize o trabalho nos músculos do abdome e minimize a tração do psoas na lombar com esta inclinação de tronco. Comece em uma posição que deixe o psoas o mais neutro possível.
Deitado, flexione os joelhos para que as coxas fiquem mais próximas que 90 graus em direção ao peito (se as coxas ficarem além de 90 graus, o psoas vai enrijecer). Para saber se os músculos abdominais estão ativos en­quanto o psoas está neutro, segure os joelhos com os bra­ços quase em linha reta. Pressione os joelhos nas mãos, e firme os abdominais inferiores, arredondando a lombar.
Afaste os braços em cruz, com as palmas das mãos para cima e mãos em linha com os ombros. Arredonde a lombar e pressione-a contra o chão. Pressione os joelhos para firmar o alto do abdome, levando os ilíacos um em direção ao outro enquanto gira o cóccix para o teto. Em uma expiração, alinhe as pernas e curve o tronco para cima, levando as mãos em direção aos joelhos. Em uma inspiração, flexione os joelhos e solte o tronco. Repita cin­co a seis vezes, movendo-se com a respiração. Eventual­mente, você pode fazer até dez ou mais repetições. Evite movimentos bruscos ou sobrecarregar o pescoço.



3 Variação de purvottanasana (postura do alongamento frontal intenso)
Esta variação trabalha o reto abdominal enquanto relaxa e alonga o psoas.
Sente-se com os joelhos flexionados, pés no chão e afastados na largura do quadril. Mãos atrás do corpo, um pouco mais afastadas que os pés. 
Abra o peito. Mantenha o queixo próximo ao tórax e, em uma inspira­ção, eleve o quadril até a altura dos joelhos. Graças ao psoas, a lombar arqueará e a barriga irá subir.
Ative os isquiotibiais e os glúteos, isometricamente puxando os pés em direção às mãos na expiração. Leve as espinhas ilíacas para dentro e conduza a parte inferior do abdome para dentro e para cima. Eleve ainda mais o quadril. Use as inspirações para abrir o peito e as expirações para puxar os pés em direção às mãos, fazendo qualquer barriguinha desaparecer. Mantenha por cinco a oito respirações. Repita de duas a três vezes.




4 Postura da prancha nos antebraços
Esta postura é um treino inteligente que usa todos os abdominais. Ela cria estabilidade e força no core, mantendo o psoas neutro.
Deitado de barriga para baixo, fique sobre os antebra­ços com os dedos entrelaçados e cotovelos na largura dos ombros. Volte os dedos dos pés para baixo e eleve o quadril até a altura do ombro, deixando os ombros diretamente acima dos cotovelos. É provável que comece a arquear a lombar, por conta da ação do psoas dominante sobre os abdominais.
Para ajudar os abdominais e liberar o psoas, primeiro leve as espinhas ilíacas uma em direção à outra. Depois, isometricamente, empurre os antebraços para a frente, mantendo os ombros acima dos cotovelos. Leve a parte inferior do abdome para dentro e para cima, em direção ao coração, enquanto projeta o cóccix para trás em direção aos calcanhares. Mantenha por cinco a oito respirações.




5 Variação de vasisthasana (postura da prancha para o lado)
Quer um exercício bom para os oblíquos e que seja saudável para os punhos? Tente essa variação devasisthasana. O core será ainda mais trabalhado que na versão clássica.
Deite-se de lado e apoie-se sobre o antebraço esquerdo. Verifique se o braço esquerdo está vertical e o ombro para trás. Apoie o pé direito sobre o esquerdo ou coloque o pé direito no chão para ter mais equilíbrio. 
Eleve o quadril, formando uma linha reta dos calcanhares até a cabeça. Alinhe a ação entre as partes superior e inferior do corpo, como se estivesse em um tadasana (postura da monta­nha) de lado, o que estimulará o psoas a relaxar e alongar. 
Leve os ombros para trás e as espinhas ilíacas para dentro, conduzindo a parte inferior do abdome para cima e para dentro. Projete o cóccix em direção aos calcanhares. Mante­nha por cinco a oito respirações e repita para o outro lado.



6 Afundo
O afundo dá a chance de tonificar o transverso abdominal e o reto abdominal ao mesmo tempo, enquanto alonga o psoas e os quadríceps.
De pé, leve o pé esquerdo à frente como em um agachamen­to. Mantenha a perna esquerda firme e reta. Comece a elevar o quadril um pouco mais e leve as espinhas ilíacas para den­tro, “puxando o cordão da calça” para ativar a parte inferior do abdome. Mantenha a postura e abaixe o quadril, deixando a perna direita estendida.
Coloque as mãos na coxa esquerda e eleve o tronco. Mantenha o abdome ativo e leve os braços para as laterais, alinhados com os ombros; isso ajudará a manter o equilíbrio e centralizar o quadril abaixo do peito. Depois, leve os braços para cima. Mantenha por dez respirações, deixando a parte inferior do abdome ativa e a perna de trás estendida e firme, equilibrando as ações dos abdominais e do psoas. Relaxe e repita para o outro lado.




Virabhadrasana I (postura do guerreiro I)
Virabhadrasana I trabalha duas ações-chave no core – o “puxar do cordão” e o “fechar do zíper” –, levando-nos um pouco mais além na questão de alongar o psoas.
Dê um passo com o pé esquerdo para a frente e apoie o calcanhar direito no chão, colocando as mãos sobre as extremidades ilíacas. Incline-se para a frente e leve as espinhas ilíacas para dentro. Ative a parte inferior do abdome e sinta os músculos da coxa moverem-se em direção aos ísquios.
Eleve o tronco e execute a ação de puxar o zíper, levando a parte inferior do abdome para cima e para dentro. Os abdominais precisam se soltar um pouco para permitir a extensão, mas não os deixe completamente soltos!
As duas ações evitam que o topo da pelve se incline para a frente, o que permite ao psoas puxar a lombar. Por estabilizar a pelve, essa postura se torna um profun­do alongamento do psoas, enquanto os abdominais pressionam o abdome para tanto dar suporte à lombar quanto para controlar a inclinação da pelve. Ative o glúteo direito para ajudar a liberar o psoas puxando o pé direito para trás isometricamente e alongando por meio do calcanhar. Mantenha a postura por dez respirações e repita para o outro lado.




8 Eka pada rajakapotasana (postura do pombo com uma perna)
O eka pada rajakapotasana alonga e relaxa o psoas. É uma excelente postura para depois de um trabalho abdominal.
Fique em quatro apoios e leve o joe­lho esquerdo à frente, para o lado de fora da mão esquerda. Ele deve ficar alinhado com a extremidade ilíaca direita do quadril. Se o ísquio esquer­do não relaxar no chão, mantenha a pelve elevada colocando um cobertor ou bloquinho sob o lado esquerdo do quadril. Incline o tronco à frente e alongue o corpo para trás por meio da perna direita e do dedo maior do pé, levando as espinhas ilíacas para dentro. Para relaxar mais na postura, puxe as coxas lateralmente e ative o quadril para criar espaço para o quadril descer e o psoas se alongar.
Leve a parte inferior do abdome para cima e para dentro e comece a elevar o tronco. Continue ativando a perna direita e o dedo maior para maior alinhamento. Mantenha a elevação na parte inferior do abdome para sus­tentar o alongamento por toda a parte frontal do corpo, alongando o psoas. Novamente será necessário relaxar um pouco os abdominais para fazer a extensão, mas não deixe a barriga solta. Mantenha a postura por 10 a 15 res­pirações ou mais. Relaxe, volte aos quatro apoios e repita para o outro lado.
 




Acabe com a barriguinha

A rotina de exercícios abdominais pode estar fazendo mais mal do que bem.

Se ela contrai os músculos do psoas mais do que fortalece os abdominais, o psoas cronicamente encurtado tenderá a girar a pelve para a frente, empurrando a parte inferior do abdome para fora e resultando na famosa barriguinha.
O trabalho de fortalecimento do abdome não basta. A sequência apresentada combina alongamento do psoas e enfoque no tônus abdominal.
 






Conheça os músculos

Os oblíquos internos e externos estão destacados da frente do corpo nesta ilustração de forma a permitir ver o psoas dentro do abdome circundado pelo trans­verso abdominal.


Nosso consultor diz:
O artigo trata de um assunto importante, tecnicamente conhecido como ação paradoxal do iliopsoas, que basicamente é a tendência de este grupo muscular gerar uma extensão lombar no início de um movimento de elevação das pernas, mesmo tratando-se de um flexor. Para evitar essa tendência, além das sugestões do texto, podemos adotar as seguintes estratégias: fazer esses movimentos devagar e com apoio das mãos sob o quadril para ajudar na sua retroversão, e permitir uma leve flexão dos joelhos associada antes de iniciar qualquer elevação das pernas a partir do decúbito dorsal (barriga para cima). Além do psoas, é importante lembrar que o grupo muscular conta também com uma porção denominada “ílio”, por se fixar no segmen­to ósseo de mesmo nome: enquanto a ação do psoas pode levar à extensão lombar, a do ílio pode levar à anteversão do quadril, movimentos que tendem a ocorrer juntos. De fato, o Yoga conta com um vasto repertório de técnicas para evitar essas ações, associando o alongamento do iliopsoas com o fortalecimento do abdome. Mas isso não deve implicar con­denar os exercícios abdominais feitos nas academias, pois, se bem orientados, estes poderão também ser executados com a fixação da lombar e membros inferiores, fortalecendo o abdome sem sobrecarregar a coluna.

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