A Arte de Relaxar






















O yoganidra permanece a ferramenta essencial para recuperar a disposição, melhorar a qualidade do sono e o foco mental

Nesta época em que o estresse, a ansiedade, a insônia e a falta de tempo tornaram-se lugar-comum, é cada vez maior a procura por terapias para recuperar a vitalidade e para lidar com a tensão do dia-a-dia. Enquanto a medicina tradicional receita remédios para problemas como distúrbios do sono e estresse, o Yoga, como um sistema completo para a manutenção da saúde, tem a sua própria técnica de relaxamento, o yoganidra. Nidra é um termo em sânscrito que significa sono e pode ser traduzido também como “sono psíquico” ou “sono lúcido”. “Relaxamento nesse contexto não é apenas soltar grupos musculares, mas, principalmente, romper sutilmente as defesas do consciente e do inconsciente. Do ponto de vista yogi, o yoganidra atua nos aspectos sutis de nossa personalidade, lida com a consciência do que se passa no interior, possibilitando-nos conhecer nossas limitações e possibilidades e desenvolver uma mente mais clara”, explica Gangadhara Saraswati, coordenadora do Satyananda Yoga Center de Belo Horizonte (MG) e psicóloga com cursos de especialização na Bihar School of Yoga e Karma Sannyasi, na Índia. 

Existem vários benefícios alcançados com a prática. No nível físico, é possível sentir a diferença na disposição e no rendimento alcançado já nas primeiras vezes. No nível emocional, aumenta as sensações de estabilidade e de confiança. No nível mental, graças ao cultivo da atenção e da vontade, o praticante aprende a desenvolver o foco claro da mente. “Essa é a qualidade que os antigos definiam como uma mente capaz de ver. O yoganidra é, portanto, uma técnica que permite desenvolver a auto-observação, uma forma particular de atenção ou estado da mente (meditação) e a construção de uma ponte segura para o seu interior”, define José Antônio Machado Filla, filósofo, educador físico e professor do curso de Aperfeiçoamento e Especialização em Yoga da UniFMU, de São Paulo.

O Yoga Sutra de Patañjali faz uma referência ao yoganidra no versículo 10 do capítulo I: “Abhava-pratyayalambana vrittir nidra”, traduzido como “o sono é a ausência (não deliberada) de qualquer conteúdo (de chitta). Embora o yoganidra, tal como conhecemos hoje, não existisse quando o Yoga Sutra foi escrito e por isso Patañjali não se refere a ele, este é um dos meios mais apropriados para trabalhar o vrittir nidra. Gangadhara explica que o termo vritti na citação significa ondas mentais. “Quando olhamos um objeto, escutamos ou pensamos, isso produz ondas em chitta, ou seja, na nossa mente. Quando relaxamos ou dormimos, estamos ansiosos, felizes, tristes, tudo isso produz ondas, que estão classificadas em cinco formas: o conhecimento certo, o conhecimento errado, a imaginação, o sono e a memória. Assim o sono é considerado uma das formações da variação de ondas na mente e não um estado de total inconsciência. Em yoganidra, estamos em ondas alfa, no estado entre o sono e a vigília, em que podemos vivenciar um profundo relaxamento, estados visionários e sonho consciente”, diz.

Yoganidra segundo Satyananda
Swami Satyananda, discípulo de Swami Sivananda, mestre de Yoga e Tantra e fundador da Bihar School of Yoga, na Índia, escreveu o livro Yoga-Nidra em 1962, no qual compilou o método baseado no nyasa – um procedimento complexo no qual o praticante teria de ter conhecimentos em mantras, mudras, chakras, alfabeto sânscrito e das divindades, tornando-o inacessível para a maioria das pessoas. Satyananda adaptou o método de modo que pessoas de qualquer cultura e religião pudessem ter os mesmos benefícios da técnica tradicional.

Quando relaxamos ou dormimos, estamos ansiosos, felizes, tristes, tudo isso produz ondas, que estão classificadas em cinco formas: o conhecimento certo, o conhecimento errado, a imaginação, o sono e a memória.

O yoganidra de Swami Satyananda possui diferentes níveis: para iniciantes, intermediários e avançados, e dentro desses níveis tem-se a preparação para entrada, elaboração de um sankalpa (propósito), rotação da consciência em determinadas partes do corpo, consciência da respiração, integração de opostos, visualizações, etc. “O objetivo dessas práticas é manter a consciência desperta e possibilitar o praticante a conhecer melhor os conteúdos do inconsciente, fazendo com que estes possam ser liberados de uma forma gradativa e suave. Durante esse processo ocorre também o estado de relaxamento corporal e mental”, explica Gangadhara. A prática pode ser feita de 10 a 40 minutos diariamente. Depois de um tempo de prática, quando não é possível deitar-se, pode-se fazer em uma cadeira por apenas 10 minutos.

Benefícios e a diferença do savasana
Embora tenha algumas variações de uma linhagem de Yoga para outra, os efeitos são praticamente os mesmos. A técnica é indicada para todas as pessoas, principalmente para aquelas que têm distúrbios de sono e para aquelas que querem atingir o estado meditativo. Mesmo que a proposta seja o sono consciente, a prática favorece o estado de adormecimento por desconectar o indivíduo das impressões sensoriais. Gangadhara explica que “para cair no sono, basta apenas desconectarmos a audição, o único sentido que fica ativo durante o yoganidra. No caso da meditação temos o oposto: se ficarmos acordados, podemos cumprir um dos objetivos que é ficar consciente durante o contato com o inconsciente, com o apoio de um símbolo ou um objeto”. 

Porém, não confundir a técnica com o savasana (postura do cadáver), praticada no final de prática de Hatha Yoga. “O yoganidra propõe a evocação de sensações, visualizações, o uso criterioso da imaginação e organização dos pensamentos. O objetivo é facultar uma comunicação tranqüila e profunda com o subconsciente e o inconsciente, favorecendo a ordenação e a integração da vida psíquica. Por esse motivo convém inicialmente ser praticada sob orientação de um instrutor experiente”, explica o professor José Filla. A Bihar School of Yoga tem várias pesquisas sobre os efeitos positivos do yoganidra nas desordens psicossomáticas e no estresse e seus sintomas como: insônia, fibromialgia, desordens do aparelho reprodutivo, asma, doenças cardiovasculares e disfunções gastrointestinais. O professor José Filla menciona outros benefícios da prática como: recuperação rápida da fadiga, melhora no funcionamento do sistema orgânico em geral, a correção dos transtornos produzidos por hiperatividade ou por tensão, disposição física, psíquica e mental, além de tranqüilizar a mente e aumentar a criatividade. 

Origens
O yoganidra tem sua origem em uma técnica do Tantra chamada de nyasa, em que o praticante recita mantras levando a consciência a partes específicas do corpo infundindo ali uma alta consciência. Na mitologia indiana o yoganidra remete a imagem mítica de Narayana repousando sobre a serpente Anantasesha (o infinito) e o mar de leite (o inconsciente ou todas as possibilidades da criação). Narayana é uma das representações do deus Vishnu, o aspecto preservador da trindade hindu. “O princípio de Vishnu é traçar o plano da vida e ele é identificado com o mundo do sonho, em que as coisas são concebidas como matrizes para serem ainda realizadas, ou seja, o mergulho no inconsciente”, diz Gangadhara.

Sankalpa: o poder do pensamento
No Ocidente, muito tem se falado sobre a força do pensamento positivo e das palavras, milhares livros de auto-ajuda abordam o tema. No yoganidra existe o sankalpa, que pode ser traduzido como resolução ou uma determinação que o praticante faz em relação ao seu direcionamento na vida. Por ser elaborado e repetido quando a mente está calma e serena, ele conta com a receptividade do inconsciente para tomar forma e força. “O sankalpa é visto como uma determinação, uma força motivadora para tornar-se alguma coisa ou fazer alguma coisa. Enquanto não sabemos qual é nosso grande objetivo e propósito, podemos fazer pequenos sankalpas, como se fossem pedras que nos ajudam a alcançar a outra margem de um rio caudaloso”, ensina Gangadhara.

Aprenda a relaxar
Acoordenadora do Núcleo de Yoga Ganesha, de São Paulo, Márua Pacce, ensina os oito passos da técnica de yoganidra. Oideal é que você aprenda com o auxílio de um professor. 

1- Preparação (prastuti)
Os asanas e pranayamas são recomendados, mas não constituem um pré-requisito. O savasana (postura do cadáver) é indispensável: deitado, sinta seu corpo e os apoios em relação à terra. Focalize sua atenção no objetivo do yoganidra, com uma sugestão positiva para si mesmo. Mentalize que nenhuma parte do seu corpo se moverá e que não dormirá durante a prática. Remova todas as suas preocupações, tensões e conflitos e permita que sua mente se aquiete.

2- Relaxamento (sithilikarana)
Solte todas as partes do seu corpo, desde os pés até a cabeça. Com os olhos fechados, em savasana, pratique ujjayi pranayama, na variação um: inspire com o som de “sss”” sibilante e expire com o som de “h” por cinco minutos.

3- Resolução (sankalpa)
Repita mentalmente sua resolução por três vezes usando as mesmas palavras.

4- Rotação de consciência rápida (bahir nyasa)
a) Nyasa externo. Toque mentalmente cada parte do seu corpo seguindo sempre a mesma seqüência. Aproposta do nyasa é despertar a divindade interior.
b) Rotação interna da consciência (antarnyasa)
Aqui o praticante focaliza sua atenção em cada chakra, visualizando o máximo de detalhes (cor, mandala, elemento, etc.), repetindo mentalmente o bija (som semente) de cada chakra. 

5- Purificação dos canais sutis com contagem regressiva (nadi sodhana)
Sem usar os dedos, imagine o prana fluindo pela narina esquerda na inspiração e pela narina direita na expiração. Comece a contagem de 27 inspirações pela narina direita e, depois, troque na expiração pela narina esquerda. Faça uma contagem regressiva até o número 1. Caso você se perca, volte ao número 27. Então, sinta sua respiração natural e espontânea.

6- Visualização de cenários (kalpanika caladdrsya-darsana)
Uma seqüência de imagens de reverência, como por exemplo, flores, pássaros, natureza, montanha, igreja, cachoeira, floresta e outros símbolos.

7- Resolução (sankalpa)
Repita o seu sankalpa novamente. Use as mesmas palavras.

8- Término (samapti)
Volte a sentir a passagem do ar pelas suas narinas. Perceba o espaço onde você se encontra e o contorno do corpo. Espreguice o corpo todo, piscando algumas vezes. A prática do yoganidra está completa.

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