O YOGI E A MORTE


É um fato por todos conhecido que os seres vivos nascemos com um prazo limitado de validade, desde o ponto de vista físico. Nenhum organismo vive para sempre. Cultivando uma vida tranqüila e hábitos saudáveis, como exercícios corretos e uma dieta adequada, essa data de vencimento do corpo pode adiar-se. Excesso de preocupações, hábitos nocivos ou uma vida desregrada reduzem essa validade. Em todo caso, a morte do corpo é uma realidade que precisa ser assumida. Se isso é de fato inevitável, a morte não deveria ser uma fonte de angústia para nós. Porque iriamos nos preocupar ou sofrer por algo que não pode ser evitado?
Porém, nossa cultura tem um conflito com a morte, que está sempre associada a desespero, medo, sofrimento e vazio. Isso acontece porque não compreendemos o que significa morrer. Noutras visões da vida vinculadas ao dharma, como o hinduísmo e o budismo, aprendemos que a passagem para o estado desencarnado pode ser um momento libertador, de paz e alívio. Compreender a morte ajuda-nos a apreciar melhor a vida.

Como morre um yogi?
Swami Ananda, um discípulo alto astral de nosso mestre, Swami Dayananda, tinha perto de 90 anos quando nos encontramos por primeira vez. Oriundo do sul, ele tinha morado por mais de meio século em Purani Jhadi, um tradicional refúgio de sadhus e yogis em Rishikesh, desde quando aquela região era uma densa floresta, habitada por najas, leopardos e elefantes selvagens. Naqueles tempos, o mestre Dayananda e seus estudantes moravam em cabanas de bambu à beira do sagrado Ganges. Hoje em dia, a floresta deu lugar a um bairro barulhento e populoso, que cresceu em volta do Ashram.
Por três anos, nas viagens periódicas que fazemos para estudar nesse mosteiro, minha esposa Ângela e eu convivemos com Swamiji, que já estava à época numa cadeira de rodas. Embora ele não falasse inglês, e o nosso parco hindi não fosse suficiente para mantermos uma conversa filosófica, freqüentemente visitávamos ele em seu quarto, fosse para lhe oferecerprasada (alimento consagrado no templo), algum cobertor num dia frio ou apenas para lhe fazer companhia. Ele nos mostrava fotos amareladas dos Swamis em lugares de peregrinação, templos o mosteiros do sul da Índia, e reconheciamos alguns rostos familiares, como o do Shankaracharya de Kañchi, ou o de Swami Chinmayananda, mestre do nosso mestre. Ao nos despedir, tocávamos seus pés em sinal de respeito, ele nos dava a bênção e nós seguiamos para nossas aulas ou práticas.
Tradicionalmente, os Ashrams da Índia funcionam não apenas como reservatórios do conhecimento vêdico, mas igualmente como lar de yogisvelhinhos, que se recolhem neles para viverem os últimos anos das suas vidas. Os Swamis mais novos cuidam dos idosos, assistindo-os e certificando-se de que nada lhes falte. Um dia, Swamiji adoeceu e, pouco tempo mais tarde, veio a falecer.
Quando um yogi morre, ele não morre deitado na cama, lamuriando-se. Ele deve esperar Yamaraja, a morte, sentado na posição do lótus, absolutamente desperto, consciente e tranqüilo. O momento da morte é a culminação das práticas de meditação e o estudo, o teste final. Se, por algum motivo, o yoginão conseguir sentar sozinho, seus amigos o levantam e sustentam nessa posição para ajudá-lo a fazer essa passagem consciente.
Chegado o momento da morte, o corpo de Swamiji foi lavado, vestido com um novo dhoti (uma saia masculina) e homenageado com oferendas de incenso, sândalo, flores e alimentos. Depois, seu corpo foi colocado numa caixa e depositado no leito do rio Ganges, sem cremar. Na Índia, yogis, santos, crianças e mulheres grávidas não são cremados.
Nosso mestre explicou-nos que aquela não devia ser uma ocasião triste, mas um momento de celebração. Embora tivesse lágrimas em muitos rostos, compreendemos que nosso professor tinha razão. Depois, outros Swamis ficaram um momento conosco, contando-nos anecdotas e situações engraçadas da vida do Swamiji e listando as muitas virtudes que ele tinha. Assim é o funeral de um yogi na Índia, com lágrimas sim, mas também com boas risadas e leveza no coração.

Quem morre?
Na Bhagavad Gita, o livro mais sagrado do Yoga, o deus Krishna ensina para o guerreiro Arjuna que 'o homem verdadeiramente sábio não tem lágrimas, nem para os vivos, nem para os mortos'. Isso porque, a rigor, ninguém pode morrer. O que morre é o corpo, não o Ser. Mais adiante no texto, Krishna afirma que o Ser não pode ser cortado por armas, nem queimado pelo fogo, nem molhado pela água, nem secado pelo vento, pois ele não está limitado pelo tempo ou pelo espaço.
Em sânscrito, a palavra usada para dizer corpo é sharira, que significa literalmente 'aquilo que apodrece'. O Ser, por sua vez, é chamado achyuta, 'o indestrutível'. A rigor, o Ser não vá embora no momento da morte, pois ele não tem uma localização específica, mas está em todos os lugares ao mesmo tempo. Quem se desintegra é o jiva, o ser vivente. Compreendendo que o que morre é o corpo e não o Ser, ficamos mais tranqüilos, melhor preparados para viver, aceitar e superar os desafios e provações que a vida possa nos colocar, sempre com um sorriso no rosto. Harih Om!
Texto publicado originalmente na revista Prana Yoga Journal. Visite o website da revista clicando aqui: www.eyoga.com.br.

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